O pai do Inocêncio morreu

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anibal_pires.jpgInocêncio Sousa, 52 anos, natural do Juncalinho, Ilha de São Nicolau, nacionalidade cabo-verdiana, portuguesa... até aos 22 anos, neto de um português, imigrante residente há 4 anos e meio em Ponta Delgada, trabalha permanentemente na mesma empresa que o contratou directamente em Cabo Verde, visto de trabalho caducado e a aguardar a concessão de Autorização de Residência desde Abril de 2005, motivo pelo qual se encontra sem visto válido no seu passaporte. Período definido na Lei para decisão sobre o pedido de concessão de Autorização de Residência – 60 dias.

Requisitos para a concessão de Autorização de Residência – três vistos de trabalho (concedidos anualmente), meios de subsistência e alojamento adequado. Requisitos satisfeitos. Passaram 180 dias após a entrada do pedido de concessão da Autorização de Residência! 29 de Setembro de 2005, 8 horas da manhã, telefonema de Cabo Verde: -“Inocêncio o teu pai piorou durante esta noite, talvez fosse melhor vires à nossa terra pois o “homem não está garantido”. 29 de Setembro, 9 horas, novo telefonema: - “Inocêncio o teu pai acabou de falecer”. O Inocêncio quer ir a Cabo Verde para participar com a família no derradeiro adeus ao seu pai. Mas como fazer se não tem visto no passaporte. Sair não tem problema e para regressar!? Como fazer? 29 de Setembro de 2005, 10h45, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). O Inocêncio, acompanhado de um membro da associação de imigrantes, procura uma solução que lhe permita ir despedir-se do pai, com a certeza do regresso que lhe possibilite realizar o sonho que um dia o fez abandonar a terra mãe – juntar um dinheirinho que lhe permita comprar uma máquina para a oficina de carpintaria que deixou em São Nicolau. O Inspector do SEF simpático e solícito mergulha no “dossier” do cidadão estrangeiro – “Ainda está em fase de inquérito. Não posso fazer nada.”

O Inocêncio mantém uma atitude, anormalmente calma face à inoperância da administração, o representante da associação questiona: - “Mas, diga-me por favor, passados que são os 60 dias que o SEF tinha para responder à solicitação de concessão da Autorização de Residência, o deferimento não é tácito?” O inspector dá a sua anuência mas vai informando: - “Mesmo que o director regional proferisse hoje o despacho da concessão da Autorização de Residência, não era possível opor o documento no passaporte, pois quem faz esse serviço é a Imprensa Nacional/Casa da Moeda. O Inocêncio quebra: - “Assim não posso ir. Não posso ir sem a certeza do regresso.” O dirigente associativo insiste que o problema tem de ser resolvido: - “…é uma situação excepcional a lei tem de a contemplar!?” Mas não, a lei não contempla nem esta, nem outras situações urgente e excepcionais. O Inocêncio seguiu hoje de madrugada para Cabo Verde com esperança, mas sem a certeza do regresso. Na bagagem leva tristeza, saudade, esperança, uma declaração da empresa que lhe garante a continuidade do trabalho quando regressar e um recibo azul, onde já não existe espaço para mais carimbos e datas. O papel azul que no dia 27 de Abril o SEF lhe forneceu como comprovativo da tramitação do processo de concessão da Autorização de Permanência e que apenas lhe concede o direito de circular no território nacional.

Quando chegar a Cabo Verde, à declaração da empresa e ao recibo azul do SEF, vai juntar a certidão de óbito do pai e solicitar um visto de curta duração (visto de turismo) para garantir o regresso a Portugal e concretizar o sonho. Aguarda e tem esperança que os serviços consulares portugueses em Cabo Verde lhe concedam até 30 de Outubro de 2005, dia em que o recibo azul caduca e onde não cabem mais prorrogações, um visto de turista para regressar ao seu trabalho em Ponta Delgada. No mesmo dia, em Ponta Delgada, tinha início o Congresso da Economia Solidária da Macaronésia. Na sessão de abertura reafirmou-se a intenção de aprofundar a cooperação e estreitar o relacionamento entre as regiões e o pequeno país que constituem este espaço Atlântico. A 30 de Outubro de 2005 espero poder dizer ao Inocêncio – “Bem-vindo caro amigo! Que bom é ter-te de volta.”

Aníbal C. Pires em “Olhares” No Açoriano Oriental em14 /10 /05