O “eco” da crise nas finanças e economia regional

Imprimir
anibal_pires.jpgSendo a situação das finanças públicas em Portugal de alguma gravidade não é, em minha opinião, a questão política central no actual contexto. A saúde da economia portuguesa, essa sim é preocupante e poderá a prazo produzir efeitos negativos na economia da Região Autónoma dos Açores.
Importa, no entanto, referir que a despesa pública em Portugal é inferior à média europeia e que a percentagem da população activa afecta à administração pública é também inferior à média dos nossos parceiros. O que não nos resolve o problema do défice público mas desmistifica o argumento de que a administração pública é o monstro que fica com a maior fatia do bolo orçamental e, como tal, será na redução dos encargos financeiros com os funcionários da administração pública que se deve centrar a solução, ou parte da solução para o défice público. Este tem sido o falacioso fundamento do Governo do Eng. José Sócrates para justificar as medidas de convergência remuneratória e de benefícios sociais que aproxime o sector público do sector privado. Uma política para o desenvolvimento procuraria outras soluções para as finanças públicas e a convergência teria de ter um sinal contrário, ou seja, a convergência teria de ser a aproximação do sector privado ao sector público. Aliás, como é do conhecimento geral, é na generalidade dos países mais desenvolvidos e com economias mais competitivas que os custos do trabalho são mais elevados.
 
Veja-se o caso da vizinha Espanha em que os custos com o trabalho são 2,5 vezes superiores aos do nosso país. A redução do défice público por via do corte na despesa dos encargos com os trabalhadores da função pública e do investimento público, no aumento dos impostos sobre o consumo e no aumento dos impostos sobre os produtos petrolíferos afiguram-se, no actual contexto económico nacional e internacional, como inadequadas. Não quero com isto dizer que para o equilíbrio das finanças públicas não haja necessidade de reduzir na despesa pública e rigor na execução orçamental, no entanto, considero que é pela via do aumento da receita, sem necessidade de aumento de impostos sobre o consumo e/ou os rendimentos do trabalho, que o equilíbrio das contas do estado deve ser feito. É sabido que a evasão e a fraude fiscal constituem por si só um dos maiores problemas das receitas do estado, é, igualmente, do conhecimento público que as empresas financeiras têm benefícios fiscais que qualquer plano de combate ao défice não devia contemplar. Mas a crise, como afirmei inicialmente, sendo de ordem financeira ao nível do equilíbrio das contas públicas é verdadeiramente preocupante quando olhamos para a economia nacional. A economia portuguesa é hoje desprovida de sector produtivo, terciarizada e assente na proletarização dos trabalhadores, sejam eles quadros e funcionários, a recibo, ou com contrato individual.
 
A agricultura e a pesca foram paulatinamente sendo destruídas, o sector industrial é inexistente. Portugal transformou-se num país de comércio e de serviços mas mantém uma população activa com um perfil académico e profissional desclassificado, quando comparado com os nossos parceiros europeus. Ao invés do investimento em actividades económicas produtivas de grande valor acrescentado com base em novas tecnologias e inovação, no investimento na qualificação profissional e académica das pessoas, ou seja, no investimento público que privilegiasse o apoio a actividades económicas produtivas associadas à alta especialização e qualificação dos trabalhadores, ao invés disso, os sucessivos executivos que têm governado o país, subordinados a interesses que não os nacionais, foram cumprindo o que exteriormente foi predestinado para Portugal em termos económicos – turismo, serviços, floresta para alimentar uma das indústrias mais poluentes do Mundo. A saúde das economias mede-se pelas mais valias do seu sector produtivo e não pelos lucros da especulação financeira ou pelas conjunturas favoráveis de sectores económicos mais ou menos volúveis. A obsessão pelo combate ao défice público por via da redução na despesa teve já efeitos nas economias regionais quando, for força do endividamento zero, os Governos Regionais foram impedidos de procurarem financiamento para, no caso dos Açores, manterem o nível de crescimento e de expansão económica que se verificava. Outros constrangimentos poderão surgir ao nível financeiro, nomeadamente, o não cumprimento integral da Lei das Finanças Regionais. Mas é também ao nível da economia que o “eco” da crise nacional poderá a prazo chegar aos Açores. A economia açoriana, se bem que sempre caracterizada por uma forte dependência externa, assenta a sua principal criação de riqueza no sector produtivo.
 
As exportações açorianas são quase integralmente de produtos que derivam da actividade agro-pecuária e da pesca. Sendo uma região insular e arquipelágica e distante dos continentes a competitividade dos seus produtos de exportação depende fortemente dos custos dos transportes marítimos e aéreos, Mas também os bens e serviços que importa podem vir a ter os custos penalizados por via dos inevitáveis aumentos das tarifas de transportes, quer o motivo seja a alta do petróleo, quer seja por via do aumento dos impostos sobre os produtos petrolíferos. Outros sectores emergentes da economia como o turismo poderão, pelos motivos atrás referenciados, sofrer uma retracção. Não sendo um especialista na ciência económica e financeira tenho, talvez por isso, uma visão pragmática do que deve ser o seu objecto – a criação de riqueza que propicie bem-estar e qualidade de vida aos cidadãos. O que constato(tamos) é, no entanto, bem diferente. O pensamento político e económico dominante gera pobreza e exclusão social por todo o planeta (em Portugal: 500 mil desempregados e 2 milhões de pobres). O que para os fundamentalistas do mercado não constitui, necessariamente, um mal em si mesmo, antes pelo contrário esse é um dos sustentáculos do capitalismo neoliberal que necessita ter um “exército de disponíveis” que alimente o mercado de trabalho a custos reduzidos. Se os governos, ao invés de se submeterem aos interesses do poder económico e financeiro, governassem para atingir o desenvolvimento que propicia bem estar e qualidade de vida aos cidadãos, que não é mais do que aquilo que prometem ciclicamente aos eleitores talvez os ciclos económicos recessivos não fossem mais do que uma mera especulação académica, uma vez que naturais são os furacões ou os abalos telúricos e esses ou outras manifestações da natureza são inevitáveis.
 
Aníbal C. Pires - na revista "SABER Açores"