O que resta à direita

Imprimir
MAbrantes2Após conseguir pela primeira vez depois do 25 de Abril uma maioria, um governo e um presidente, a direita portuguesa, num frenesim retrógrado de ajuste de contas, apressou-se a pôr em causa ou mesmo a extorquir ao povo português no decurso dos mais de 4 anos que durou o seu reinado um importantíssimo conjunto de conquistas políticas, económicas e (sobretudo) sociais que a revolução de 74 proporcionou e que a Constituição da República consagrou.
Por esse facto a direita, corporizada pela coligação PSD/CDS foi, e bem, castigada nas eleições de 4 de outubro passado. Se ela merecia ou não um castigo maior, muitos pensarão talvez que sim, mas em qualquer caso o que se viu é que, em democracia, nenhuma força política consegue sobreviver sem castigo quando avilta e humilha um povo inteiro e quando entrega a economia e o país à sofreguidão sem freio de grandes grupos económicos e dos interesses da finança internacional, como fez a direita portuguesa com a sua maioria, o seu governo e o seu presidente.
Depois de 4 de outubro a direita ficou órfã de primeiro-ministro e do seu alcandorado e irrevogável vice-primeiro-ministro, perdeu a maioria absoluta no parlamento nacional, e está agora prestes a ficar também órfã do seu presidente. E não se conteve nem se contem ainda de raiva, tal como o moribundo presidente, perante a realidade da sua derrota eleitoral. Uma raiva que a leva a jogar a única cartada de recurso que lhe permitiria apesar da derrota não perder por completo o controlo da situação política, social e económica do país a que tanto se apegou nos últimos 4 anos e meio. Essa cartada chama-se Marcelo Rebelo de Sousa, o TVIsuperstar, mas também o homem das ligações políticas tanto ao velho regime, que lhe serviu de berço, como a importantes grupos económicos, que lhe servem de amparo na maturidade. Para que não restem dúvidas na mente dos mais desatentos de que Marcelo Rebelo de Sousa é a cartada da direita nas próximas eleições presidenciais de 24 de Janeiro, aí estão as declarações formais de apoio à sua candidatura por parte do PSD e do CDS.
Por mais que o comentador/candidato se reclame de independente, se finja distanciar do apoio partidário expresso do PSD e do CDS (de que efectivamente goza e de que efectivamente precisa) e pisque os olhos à esquerda, donde, para vencer, precisa que venham votos, que eu saiba nenhuma força política ou corrente de opinião de esquerda lhe manifestou apoio expresso ou sequer tácito, antes pelo contrário...
Cumprir e fazer cumprir a Constituição, como se viu com Cavaco e Silva, constitui uma das maiores dificuldades, senão mesmo incapacidades, objetivas para o exercício do cargo por um presidente da direita em Portugal. Essas dificuldades aliás, são mesmo a razão fundamental pela qual um presidente de direita não serve a Portugal nem aos portugueses. Ora que eu saiba o candidato/comentador, não se cansando de chamar a atenção para a necessidade do cumprimento dos compromissos europeus e internacionais a que Portugal está vinculado, nunca se lembra de referir esse seu compromisso essencial enquanto presidente que é o de respeitar e fazer respeitar a Constituição da República. Tal como o demonstraram o voto contrário do CDS na Constituinte, os apelos repetidos de João Jardim à subversão constitucional durante mais de 30 anos, ou a governação ferida de inconstitucionalidades múltiplas da coligação PSD/CDS, Marcelo Rebelo de Sousa tem também ele um contencioso figadal com a Lei Fundamental Portuguesa.
Ora esta pode ser a posição de um comentador mas, que eu saiba, nunca a de um pretendente sério ao cargo de Presidente da República.
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 20 de dezembro de 2015