Mar grosso à vista

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jose_decq_motta.jpgNa linguagem rude da nossa gente ligada ao mar, quando o tempo tolda, quando o barómetro desce, quando o azul do céu desaparece, quando o vento se transforma em chicotada que actua sobre tudo o que nos rodeia, diz-se que temos mar grosso à vista.
Transpondo este raciocínio popular para a nossa vida colectiva temos que ter, no fundamental, uma conclusão semelhante. De facto nunca nos podemos esquecer, mesmo que os nossos governantes regionais procurem criar a imagem contrária, que a política nacional neoliberal e de afrontamento a quem trabalha prosseguida por Sócrates chega a esta Região Autónoma. Chega a esta Região Autónoma dos Açores o aumento da idade de reforma; o crescente estrangulamento da economia produtiva; a tentativa de desarticular e privatizar segmentos essenciais dos sistemas públicos de saúde, educação e segurança social; a diminuição do investimento público nacional, regional e autárquico; a desarticulação da Administração Pública; a desvalorização do papel dos professores na sociedade. Todas as linhas de orientação que estão a ser seguidas no plano nacional entram na vida regional como faca em manteiga. Sendo isto uma verdade muito forte não impede no entanto, que nos detenhamos sobre um ou dois pontos concretos. Desde logo há que referir a questão das transferências do Estado para a Região. Usa o 1º Ministro do argumento fácil e demagógico de que “os sacrifícios são para todos”, pelo que há que cortar na Lei das Finanças Regionais.
 
Não é dito, nem claramente reconhecido, que temos anos seguidos de aplicação insuficiente da Lei das Finanças Regionais, o que se traduz numa avultada dívida do Estado. Não é dito, nem sequer referenciado, que as transferências do Estado para as Regiões Autónomas não são ofertas feitas pelo Estado mas constituem uma parte legítima do que cabe a estas Regiões dos meios do Estado de que fazem parte. Não é dito, nem reconhecido que a participação das Regiões Autónomas no Orçamento do Estado é um direito constitucional que equivale a uma imperiosa necessidade para o desenvolvimento e para a coesão nacional. Fazer cortes vultuosos às Regiões Autónomas no Orçamento do Estado e acumular a dívida do Estado às Regiões Autónomas é o mesmo que querer impor que a parte economicamente mais débil do País contribua para aquilo que não tem condições de contribuir e para aquilo que não gerou. O poder regional estabelecido, da responsabilidade do PS, hesita fortemente entre a fidelidade partidária e a defesa séria e consequente do interesse regional.
 
Tal facto ficou bem patente no último Congresso Regional do PS onde Sócrates não deu respostas e César só teorizou sobre estes temas. Perante estas hesitações e perante os alinhamentos que se advinham tem que se concluir, de facto, que temos “mar grosso à vista”. Chamo ainda a atenção para a evolução do desemprego. Se é verdade, e é, que a taxa de desemprego na Região Autónoma dos Açores é a mais baixa do País, também é verdade que está a crescer de forma que já é preocupante. De acordo com o INE a taxa de desemprego nos Açores no 3º trimestre de 2005 foi de 4,2%. No 3º trimestre de 2004 de 3,8%. Longe vai o tempo em que era de 2,4% Se juntarmos a isso o facto de persistirem todos os problemas e impasses da economia produtiva regional; o facto de serem esboçados procedimentos que transferem para a Região as orientações neoliberais que visam tornar ainda mais precárias as relações de trabalho; o facto das políticas regionais nas áreas sociais serem insuficientes para fazer face a muitas situações, então vamos concluir que a actual governação do País e da Região não é nenhum “mar de rosas”.
 
José Decq Mota na revista factos