O modelo esgotado e os gatos escondidos

MAbrantes2Com manifesta intenção eleitoralista, o dr. Mário Fortuna, em nome da Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada, (ladeado por Jorge Rita em nome da Federação Agrícola dos Açores e por Francisco Pimentel em nome da UGT-Açores) veio na passada semana apregoar em conferência de imprensa que o "modelo de desenvolvimento dos Açores está esgotado" e defender um outro modelo, por ele considerado mais desejável para a Região, que fosse redutor do setor público e essencialmente assente no setor privado.
Curiosamente, três dias depois num forum sobre políticas sociais realizado no Porto, Passos Coelho, em nome do PSD, veio ele por sua vez apregoar em relação àquelas políticas que "o modelo atual falhou" e que é preciso "redesenhar as políticas sociais".
Foi certamente coincidência involuntária e indesejável de "modelos" para o PSD-Açores que assim ficou de rabo de fora, pois o discurso que lhe conviria de momento deixar velado por detrás da sua fachada eleitoral virada antes para a "salvação da lavoura" ou para as suas infindáveis preocupações com a saúde dos açorianos, e que acabou por sair da boca de Mário Fortuna, Passos Coelho encarregou-se de clarificar.
Na verdade, nada disto é novo. Já de há anos a esta parte vimos ouvindo da boca de Fortuna esta mesma narrativa que, diga-se de passagem, começa também ela a ficar esgotada. Porém nem por isso nos deixa (mais uma vez) de merecer uma apreciação crítica, pois está umbilicalmente ligada às nefastas políticas neo-liberais recentemente postas em prática na governação nacional pelo PSD e pelo CDS. Aprendemos (amargamente) nos anos recentes, com esse governo, que para previligiar o setor privado há que "redesenhar" o setor público, em particular a sua componente social, subtraindo-lhe verbas, pessoal, equipamentos, instalações, cortando pensões e outras participações, e privando os cidadãos de serviços e rendimentos essenciais, constitucionalmente consagrados. O exemplo mais fresco veio da educação e foi o do negócio que o Estado tinha fechado com uns tantos colégios privados em benefício exclusivo destes últimos e da desigualdade do acesso à escola. Mas para além das políticas funestas e inconstitucionais aplicadas à educação, o desastre foi no mínimo de igual monta ao nível da saúde e da segurança social como é de todos sabido (e convem não esquecer para as regionais de Outubro próximo).
E se o discurso do "esgotamento do modelo" encaixa bem no PSD para se procurar afirmar como alternativa de governo nos Açores, lamento se lhe estrago o arranjinho mas julgo poder contrapor que esse modelo não está "esgotado" simplesmente porque...ele não existe! O que tem caracterizado o essencial das governações socialistas desde há 16 anos, altura em que o PS alcançou e foi renovando no arquipélago a maioria absoluta, é a navegação à vista. E se isso permite resolver alguns problemas de circunstância, impede no entanto o salto qualitativo e estratégico que se impõe dar nestas ilhas, após os recuos forçados dos últimos anos na coesão e no desenvolvimento harmónico regionais. Na ausência do "modelo esgotado" que Fortuna pretende combater, resta um vazio das ideias repetidas e sem cabimento ou emerge então a dúvida legítima sobre se o alcance da apregoada alternativa não se referirá antes ao "redesenho" do Estatuto Político-Administrativo dos Açores ou da Constituição Portuguesa, o que aliás não seria uma coisa do outro mundo, como pelo seu lado muito bem demonstraram as sucessivas inconstitucionalidades em que incorreu a governação da coligação PSD/CDS durante o seu recente mandato no país, e a tentativa de revisão constitucional de última hora que ensaiou após os resultados eleitorais de Outubro passado.
Chegados a este ponto, percebe-se bem como encaixa o modelo neo-liberal de Fortuna no fim das quotas leiteiras, na liberalização do mercado do leite na UE e na desproteção específica do sector agro-pecuário açoriano, não se percebe é como encaixa nesse modelo a Federação Agrícola dos Açores.
Mais do que pelas palavras, pelos atos (a que se assistiu no mandato de Coelho e Portas), percebe-se bem como encaixa o modelo neo-liberal de Fortuna no aumento do desemprego, no ataque à função pública e à sua remuneração complementar, não se percebe é onde encaixa nesse modelo a UGT/Açores.
Ou por aqui andarão também alguns gatos escondidos...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes