Cidadania(s)

anibal_pires.jpgO Congresso da Cidadania, promovido pelo Ministro da República para os Açores... ...ao qual já me referi nesse espaço por altura da sua sessão inaugural, como sendo uma oportuna e louvável iniciativa e, ao qual, na altura fiz alguns reparos sobre a limitada representatividade de diferentes correntes de pensamento que o painel de conferencistas indiciava a que corresponde alguma falta de pluralidade, aliás, opinião que mantenho.

Mas não é para avaliar o evento que decorre até meados de Maio que o refiro no início desta coluna, mas sim e apenas para dar o mote ao tema que hoje vos trago à reflexão. A globalização, a deslocalização de pessoas (migrações, compulsivas ou não), o transnacionalismo, incontornáveis marcas do nosso tempo, vão levar as sociedades e os estados a reequacionar alguns princípios e conceitos até há algumas décadas atrás inquestionáveis. A cidadania é, porventura, um dos conceitos para o qual se sente uma pungente necessidade de equacionar e reformular o quadro político e legal, ajustando-o às novas realidades. A identidade cultural comum e o sentimento de pertença estão directamente associados ao conceito de cidadão nacional, ou seja, ao Estado-Nação. No entanto, o direito de cidadania vai muito para além da condição de se ser, ou não, cidadão nacional. O reconhecimento de um núcleo básico de direitos de cidadania, acordado pela comunidade internacional e aceites pela generalidade dos estados deveriam reflectir-se no seu quadro legal reconhecendo, assim, aos cidadãos estrangeiros direitos idênticos aos dos cidadãos nacionais.

Nem sempre assim é, o quadro legal português que regulamenta a imigração consagra a coexistência de estatutos diferenciados para os cidadãos estrangeiros que consequentemente têm efeitos, igualmente, diferenciados no acesso dos cidadãos estrangeiros à plena cidadania. Por outro lado considero, e acompanho vários autores neste pensamento, que a cidadania e o seu pleno exercício devem cada vez menos estar dependentes da condição de se ser cidadão nacional, ou seja, os estados devem adoptar um conceito de cidadania com base em direitos universais comuns a todos os indivíduos. Em Portugal a actual Lei da Nacionalidade que data de 1994 restringiu a aquisição da naturalização e aquisição da nacionalidade. Esta reacção restritiva privilegia o princípio do "jus sanguinis" ao contrário da anterior (37/81) que mantinha algum equilíbrio entre este e o princípio do "jus soli". A actual Lei da Nacionalidade ao privilegiar o princípio das relações sanguíneas dificultando e restringindo, como atrás referia, a aquisição da nacionalidade aos cidadãos estrangeiros e aos seus descendentes, está a causar alguma contestação, não só nas organizações de imigrantes e de defesa dos direitos humanos, mas também nos meios políticos.

Os filhos dos cidadãos estrangeiros nascidos em Portugal não têm direito à nacionalidade portuguesa - decorre do "jus sanguinis" -, e só poderão requerer a nacionalidade portuguesa quando completarem 16 anos. Esta situação para além de ser causadora de complexos problemas sociais é, em si mesmo, desumana e desprovida de qualquer sentido, num tempo em que cada vez mais as interacções transnacionais se traduzem na grande mobilidade dos indivíduos, os quais adoptam estratégias de vida que se desenvolvem com ligações a mais do que país e a diversas culturas. Não é, assim, compreensível que em Portugal se continue a limitar a cidadania através da nacionalidade. Por este e também por outros motivos urge rever e alterar a Lei da Cidadania Portuguesa, denominação que a Constituição da República dá à Lei da Nacionalidade (sintomático, não é). O Congresso da Cidadania Activa, ao que julgo saber, vai no dia 12 de Abril abordar as questões da dupla/múltipla cidadania pela mão do Fórum Açoriano e pelo trabalho de investigação da Professora Doutora Conceição Ramos da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. A não perder.

Aníbal C. Pires - "Olhares" plublicado no Açoriano Oriental em 08/04/05