O novo tratado da UE ou o fim do modelo social europeu

anibal_pires.jpgA ratificação, ou não, do novo Tratado Europeu é, ou deveria ser, objecto de uma ampla e participada discussão política em Portugal, assim como deveria ter sido a própria adesão à Comunidade Europeia.

Os sinais não apontam, no entanto, para aquilo que julgo aconselhável, ou seja, tal como a Convenção Sobre o Futuro da Europa, que está origem do texto do novo Tratado, não envolveu os cidadãos e se confinou às elites, também a discussão pública em Portugal sobre a encapotada carta constitucional europeia se prevê muito limitada. Desde logo pela coincidência com o ano das eleições autárquicas mas, sobretudo, pela anunciada intenção de fazer coincidir o acto referendário do Tratado com as eleições locais. Claro que a estratégia não é inocente e, do meu ponto de vista, tem objectivos muito claros. O objectivo de alguns é procurar através da legitimação popular a validação de um conjunto de opções e de políticas já em curso que, a troco da anunciada, mas cada vez mais distante, prosperidade partilhada para todos os cidadãos europeus se foi construindo, apenas e só, um mercado comum e a união monetária. Mas, como dizia, a troco da tão propalada e distante coesão social, os estados vão sendo subtraídos de alguns instrumentos de soberania e conduzidos para um modelo de desenvolvimento económico que começa a apresentar fortes indícios de que a prosperidade é para ser partilhada apenas por alguns cidadãos e que um dos seus pilares estruturantes é a exclusão de muitos outros. Quanto à estratégia seguida demonstra, antes de mais, algum receio por um eventual “devaneio” do povo português que, na eventualidade de poder discutir e compreender o que o novo Tratado encerra poderia inclinar-se maioritariamente para votar não. E porque é melhor prevenir que remediar e não vá o diabo tecê-las.

O melhor mesmo é diluir esta discussão com as eleições para a nossa freguesia ou câmara municipal e, enquanto nos vamos distraindo com a disputa de mais um parque urbano, um ATL ou das propostas de reclassificação urbana, alguém se encarrega de nos “vender” o paraíso da prosperidade partilhada da livre circulação de bens e capitais, porque a livre circulação de pessoas, ainda que normalmente faça parte da trilogia, é para quando for mais conveniente. O processo de integração europeia é um dado adquirido e, direi mesmo, irreversível. Já não posso afirmar o mesmo das soluções que têm sido adoptadas na construção e integração europeia. O caminho poderia ser bem diferente que o digam os milhares de desempregados do Vale do Ave, de Aveiro ou do interior continental e os 2 milhões de pobres que deveriam envergonhar quem nos conduz por tais caminhos. A liberalização e privatização de sectores como a Educação, a Saúde e a Segurança Social serão o passo seguinte. O novo Tratado para além de apontar os caminhos do federalismo (há quem lhe chame neofederalismo), altera o modelo de decisão política – dos consensos passa-se para maiorias o que deixa os estados com fraca dimensão demográfica secundarizados -, e tem, claramente, associado um modelo económico neoliberal cujo objectivo é liquidar o Modelo Social Europeu e transformar o Estado Social, ou Estado Providência, num Estado Regulador, ou seja, um estado que financie a actividade privada e que assuma os custos sociais dos excluídos. Um modelo económico que se estrutura no desemprego, na precariedade e nos baixos rendimentos do trabalho.

Um modelo político em que alguns (poucos) podem decidir por todos é, no fundo, o que se pretende com o novo Tratado Esse não é, seguramente, o caminho que Portugal deve legitimar no acto referendário. Por isso vou votar e defender o voto no NÃO ao novo Tratado. A Europa dos, e para os cidadãos, a Europa de cooperação entre os estados e da coesão social. Onde está essa Europa tantas vezes prometida e permanentemente adiada? É tempo de olhar para os assuntos europeus como olhamos para a nossa freguesia ou lugar.

Aníbal C. Pires - "Olhares" publicado no Açoriano Oriental em 15/04/05