Três décadas depois da Revolução, muita porta falta abrir…

lurdes_branco.jpg“(…) Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro/uma cruzinha laboriosa./Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver/como podia ser sem os patrões./Elas levantaram o braço nas assembleias.”, Maria Velho da Costa in Revolução e Mulheres.

Ontem, além da comemoração do 31º aniversário do 25 de Abril, celebrou-se o 30º aniversário da realização das primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte. Passados tantos anos sobre estas conquistas, seria de esperar que a situação dos trabalhadores portugueses e da população em geral fosse bem melhor do que é actualmente. Ao longo destes anos, a actuação dos sucessivos governos tem fomentado uma política laboral assente nos baixos salários, nos atentados aos direitos dos trabalhadores, na precarização das relações de trabalho, contribuindo desta forma para o baixo nível de vida da população e para o aumento do fosso entre ricos e pobres. Direitos sociais fundamentais como o acesso à saúde, educação e segurança social universais; ou o direito de acesso à habitação, à fruição cultural e ao desporto, não só não têm evoluído, como em muitos aspectos se tem verificado grandes e graves retrocessos. No início deste ano, os portugueses demonstraram claramente a sua vontade de contribuir para uma viragem na politica nacional, derrotando amplamente a direita e pondo fim ao ciclo PSD/CDS-PP. Contudo, o PS já demonstrou claramente que prosseguirá no essencial com as políticas de direita, não se verificando a tão ansiada mudança. Este ano teremos igualmente eleições autárquicas, por esse facto, o governo de maioria socialista, prossegue com um discurso nebuloso e cinzento em relação a aspectos fundamentais da política nacional, naquela que é uma clara tentativa de desviar as atenções, guardando para depois do acto eleitoral as medidas mais gravosas e mais susceptíveis de gerarem contestação social.

O exemplo claro desta atitude e posição do PS é evidenciado com o chumbo ao aumento suplementar do salário mínimo nacional; com a não revogação imediata das medidas mais gravosas do Código do Trabalho; com a continuidade dos ataques à saúde pública, de qualidade e tendencialmente gratuita; com a continuação de políticas de contenção salarial; com a continuidade da subjugação dos interesses nacionais aos europeus, pondo mesmo em risco a própria soberania nacional… A data que ontem se comemorou, e o 1º de Maio, são certamente alturas importantes para reafirmação da luta dos trabalhadores e do povo por melhores condições de vida e de trabalho. Mas são também alturas importantes para a reafirmação e continuidade da luta das mulheres pela emancipação, pela paridade, pelo direito de optar… ou para a luta dos reformados e pensionistas pelo direito a uma vida digna… Vivemos sem dúvida tempos difíceis quer a nível nacional, quer a nível regional. Pois apesar do governo de Carlos César continuar a afirmar que a crise passou ao largo da Região, que as contas regionais tiveram um saldo positivo durante o ano passado, a verdade é que a maioria da população não sente melhorias e o PS os Açores prossegue as políticas neoliberais de favorecimento de sectores privados, de criação de sociedades anónimas de capitais públicos, numa clara tentativa de fugir à fiscalização por parte da Assembleia Legislativa Regional do investimento público que é efectuado.

Mas, não vivemos momentos conturbados apenas no que respeita às políticas laborais e sociais, vivemo-lo igualmente no plano político e na grande ofensiva que os sucessivos governos têm desencadeado ao sistema democrático. Sob a falsa capa do combate à corrupção, ao carreirismo e de defesa da democraticidade, engendram-se leis como a da limitação dos mandatos, ao mesmo tempo que surgem tendências e propostas quanto ao poder autárquico que irão criar situações de esvaziamento da fiscalização da actividade do executivo camarário. A dignificação da política consegue-se através da prática honesta da mesma, do exercício da defesa dos interesses da população, do aumento das capacidades fiscalizadoras por parte dos órgãos competentes e não com medidas encapotadas que vêm tapar o sol com a peneira e de certa forma contribuir para o agravar de certas situações. A dignificação da política e a efectiva mudança deste estado de coisas, só se consegue com o exercício pleno, consciente e activo dos direitos e deveres de cidadania. O 25 de Abril abriu portas a conquistas e direitos que antes não tínhamos. Pôs fim a um dos períodos mais cinzentos da nossa história. Contudo, passadas mais de três décadas, muitas portas continuam por abrir e muitos têm tentado fechar algumas das mais importantes, cabe a todos e cada um de nós contribuir para que “agora ninguém mais cerre as portas que Abril abriu” (Ary dos Santos).

Lurdes Branco em “Política” publicado no “Açoriano Oriental