As Democráticas Ditaduras…

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lurdes_branco.jpgVivemos num “Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação de direitos e liberdades fundamentais (…)”, assim versa o Art. 2º da Constituição da República Portuguesa.

Contudo, decorridas mais de três décadas sobre a Revolução dos Cravos, não só continuamos a ter um longo caminho a percorrer em termos de aprofundamento e consolidação da democracia, como temos assistido em diversas zonas do nosso país a atitudes que em nada contribuem para esse mesmo aprofundamento. Os Açores, infelizmente não são excepção à regra e um pouco por toda a Região sucedem-se situações déspotas, autoritárias e antidemocráticas, perpetuadas, muitas vezes por eleitos que se acham no direito de implementar “democráticas ditaduras”… Em épocas eleitorais assistimos a tudo um pouco, desde presidentes de Câmara/recandidatos que usam e abusam de meios institucionais para efectuar propaganda da sua candidatura, até tentativas de quartar a liberdade de expressão de outras forças políticas, passando pela intimidação e pelo descarado comprar de votos – neste último caso, mais grave ainda quando se chega ao ponto de abandonar as tradicionais camisolas e canetas, para se distribuir cheques, ou vales como aconteceu durante a campanha para as autárquicas.

Um dos exemplos flagrantes destas atitudes ditatoriais aconteceu em Vila Franca do Campo com o Presidente/recandidato da edilidade não só usou meios institucionais ao serviço da sua candidatura, levando à intervenção da Comissão Nacional de Eleições que ordenou a remoção de tal material de propaganda, como inclusive tentou impedir o candidato do PS de efectuar a sua campanha. Infelizmente, não terão sido estes os primeiros e únicos episódios do género em Vila Franca do Campo, nem terão mesmo sido os mais graves, ou os que terão tido consequências revestidas de maior gravidade. Na verdade, recentemente, terminou o julgamento três elementos da Juventude CDU que, durante a pré-campanha para as Legislativas Regionais de Outubro do ano passado, não só foram impedidos de efectuar um pintura mural, como depois se viram envolvidos num processo judicial na qualidade de arguidos, única e exclusivamente por estarem a tentar exercer direitos constitucionalmente garantidos como o da liberdade de expressão, ou da liberdade de informar e ser informado.

Se é certo que não é muito usual na Região os Partidos utilizarem as pinturas murais como forma de propaganda, não é menos verdade que tal é um meio de informação reconhecido legalmente e com legislação específica que regulamenta tal actividade. O caricato da situação foi o facto de, salvo erro, pela primeira vez na Região, três cidadãos terem sido julgados por exercerem direitos constitucionais, ao abrigo da legislação aplicável. Felizmente fez-se justiça e o Tribunal reconheceu que tal prática não constituía crime como quis fazer crer o senhor Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo. Por outro lado, ficou provado que os presidentes de Câmara não estão acima da Lei nem da Justiça, não podendo nem devendo ter atitudes ditatoriais de quero, posso e mando! Pelo contrário, enquanto eleitos democraticamente pelo Povo, devem zelar pelo cumprimento da Lei sem discriminações e garantir a todos os cidadãos o pleno exercício dos seus direitos, liberdades, garantias e deveres. A finalizar, não posso deixar de lamentar o sucedido este domingo com Mário Soares, que, tal como referiu Jerónimo de Sousa, “quem perde é a democracia”, pois todos temos felizmente liberdade de nos exprimirmos, mas a nossa liberdade termina onde começa a do outro! Felizmente vivemos em Democracia e não em ditadura como parece ser apanágio de alguns!

Lurdes Branco em "Politica" no Açoriano Oriental em 13/12/05