Defender Abril

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anibal_pires.jpgHoje, dia 10 de Junho, seria apropriado e politicamente correcto preencher este espaço com algumas referências às comemorações que celebram os portugueses. Não o vou fazer. Primeiro porque não sou, nem tenho de ser, politicamente correcto e segundo porque o presente da generalidade dos portugueses não é de celebrar.

O presente para a generalidade dos portugueses é de luta. Luta na defesa dos seus direitos, luta contra quem submete este país e este povo aos interesses das oligarquias económicas que não têm rosto nem pátria. A opinião pública nacional tem vindo, de forma continuada, a ser submetida a uma impressionante campanha de (des)informação e propaganda através dos órgãos de Comunicação Social públicos e privados. A campanha a que me refiro teve e tem dois objectivos essenciais:

I) preparar os portugueses, povo de brandos costumes, a aceitar como inevitável as medidas tomadas pelo governo. Governo que por acaso é do PS mas bem poderia ser do PSD ou do PP. (a formação política de José Sócrates foi feita na JSD da Covilhã);

II) responsabilizar a administração pública e os seus agentes pelo défice público e pela ineficácia do estado. Os portugueses que no dia 20 de Fevereiro votaram claramente contra estas políticas têm o direito e o dever de exigir o cumprimento do contrato celebrado com o PS, desde logo porque o programa eleitoral do Eng. José Sócrates não tem nada a ver com as políticas do seu governo mas, sobretudo, porque há alternativa a esta política e porque só a manipulação das palavras e dos números, ou seja, a mentira pode atribuir à administração pública a responsabilidade pelo défice público. As medidas anunciadas para aumentar a receita são, em termos económicos, de contra ciclo. O aumento do IVA vai retrair o consumo e o imposto sobre os produtos petrolíferos terá como consequência a perda de competitividade das empresas e o aumento generalizado de produtos e serviços. A alternativa justa e sensata para aumentar a receita seria, se Sócrates fosse um homem de esquerda, o combate à fraude e à evasão fiscal e a tributação das actividades financeiras. Quanto à despesa pública o engenheiro poderia começar por reduzir a do seu gabinete e dizer aos portugueses que a despesa pública em Portugal representa 47,6% do PIB e na União Europeia é de 48,3% do PIB, ou que a percentagem da população empregada na administração pública na União Europeia é de 25,6% e em Portugal, pasme-se, é de 18%. Ao contrário de muitos portugueses a política seguida pelo actual governo português não me surpreendeu, ou melhor fiquei surpreendido com a violência das medidas anunciadas.

A política do actual governo não difere das políticas que desde meados da década de 80 do século passado foram sendo adoptadas pelos sucessivos governos. Políticas que dão corpo à propalada ideia de “menos Estado melhor Estado” e que se inserem num plano à escala mundial promovido pelo neoliberalismo. Oque se pretende com esta estratégia é denegrir, em particular, as funções sociais do Estado que não sendo produtivas têm afectos elevados recursos financeiros e, por isso mesmo, o sector privado os quer para o seu domínio. É lamentável que seja pela mão do PS que esta estratégia neoliberal esteja a ser posta em prática no nosso país e espero que os militantes do PS saibam dar a resposta adequada a quem os ludibriou. Confesso que após 31 anos que são passados sobre a revolução de Abril sinto que há necessidade, mais do que nunca, de defender Abril porque as portas que Abril abriu ameaçam, perigosamente, fechar-se pelas mãos de um dito homem de esquerda.

Aníbal C. Pires em “Politica” No Açoriano Oriental em 10/06/05