Não sendo possível desmantelar tudo em simultâneo, vamos por partes. Agora carregamos nos impostos, depois carregamos na administração pública, e depois, satisfeito o primeiro ajustamento troikista, vamos ver, de entre o que sobrar inteiro, como iremos acautelar um pós-troika qualquer que garanta o desmantelamento do resto.
O "novo ciclo" é um fato de autêntica dissimulação feito à medida de Paulo Portas. Não é mais do que a segunda parte de um mesmo, agressivo e cobarde programa de traição e destruição nacional, de empobrecimento dos portugueses, a que paradoxalmente os seus autores, a coberto da cumplicidade agora transparente e sem rebuços do Presidente da República, classificam de medidas para o "resgate da soberania" em 2014.
O "novo ciclo", segundo o governo recauchutado PSD/CDS, ao basear-se em que sobre os portugueses já pesam impostos a mais, só o faz, não porque tencione emendar a mão e baixá-los, mas porque sabe não poder continuar a carregar por aí quando a fonte secou. A prova é que, podendo, voltaria a carregar por essa via, tal como de imediato procedeu com a Lei de Finanças Regionais, carregando, já em "novo ciclo", sobre os impostos dos açorianos. Vem por outro lado anunciar um programa de baixa de impostos a médio prazo que não passa de uma fraude, pois apenas se refere ao IRC. Do IVA (especialmente na restauração) ou do IRS (a super-sugadela dos portugueses em 2013), nem pia. E só fala do IRC porque este imposto não rende mais do que 14% da cobrança geral de impostos, e já na prática (por via dos benefícios fiscais) a taxa não ultrapassa em média os 17%, apesar de formalmente ser de 31,5%. A dita reforma do IRC apenas beneficiará portanto os que até já só pagam 15%, isto é, os bancos, as SONAE ou Jerónimo Martins, as EDP ou REN, entregando-lhes milhões dos cofres do Estado.
O "novo ciclo" não vem restaurar qualquer soberania económica ao país, pelo contrário, começou de imediato com a continuidade da venda das jóias públicas estratégicas, aprovando a privatização dos CTT.
O "novo ciclo" cujo nome completo atribuído pelos seus propagandistas é o "novo ciclo para o desenvolvimento e criação de emprego" vem associado, segundo os seus criadores, a sinais económicos positivos e palavras de esperança de nova luz ao fundo do túnel (mais uma. Tantas, que já lhes perdi a conta...). Mas a realidade é que, apesar de mais empresas criadas e menos falidas em Portugal no 1º semestre de 2013, a diminuição do desemprego que tal balanço sugeriria não se verificou, antes aumentou (aliás em contraciclo com o que aconteceu no resto da Europa). Também em contraciclo com a melhoria dos índices económicos na Europa, os mesmos índices pioraram em Portugal, neste mesmo período.
O "novo ciclo" veio de imediato acompanhado de um galope legislativo inconstitucional contra os funcionários públicos que, além de vir a desgraçar outros tantos milhares de famílias portuguesas, apenas contribuirá para agravar a recessão. A mobilidade para o despedimento, o aumento da carga horária sem retribuição para as 40 horas, ou a reforma aos 66 anos, apenas irão acelerar o desemprego, aumentar a exploração e diminuir o consumo interno. O esbulho de 920 milhões à Caixa Geral de Aposentações (às pensões dos funcionários públicos) através da convergência com o sistema geral, é apenas a continuidade do roubo que já vinha de antes do "novo ciclo".
"Novo ciclo", só se for de luta contra a camarilha que ocupou há dois anos o poder em Portugal e que perdeu toda a legitimidade política para lá continuar...
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 3 de agosto de 2013