
Entretanto já este ano foram apresentadas na Assembleia da República propostas que visavam acabar com a promiscuidade entre interesses públicos e privados alterando o estatuto dos deputados e impondo, ora um regime de exclusividade aos parlamentares, ora um regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. Mas estas duas iniciativas políticas, com origem no BE e no PCP, foram chumbadas pelos mesmos que votaram a anterior lei: o PSD, o CDS e o PS.
Estamos portanto perante dois exemplos de intervenção que demarcam uns políticos de outros, que demarcam uns partidos de outros, revelando modos diferentes de encarar a política e de ser político, e tornando absurda, demagógica e pouco séria a dissseminação da ideia de que os partidos são todos iguais e de que todo o político o que procura é o seu tacho. Esta ideia afasta os cidadãos, sobretudo os mais sérios e preocupados, da atividade política e das suas instituições. Adultera a dignidade intrínseca da coisa pública, e torna até legítimo deduzir que quem a divulga ou é inconsciente ou pretende desculpabilizar e até institucionalizar o aproveitamento que alguns fazem dos cargos políticos e públicos para benefício particular.
Vem esta reflexão a propósito do zelo com que a "Entidade das Contas e Financiamentos Políticos", contando com a colaboração de outras entidades oficiais ligadas ao Governo PSD/CDS (conforme divulgado pelo Jornal "Público"), andou a investigar a origem e a legalidade das entradas de fundos para a Festa do "Avante" (que decorreu no passado fim de semana).
Tudo bem. Mas, depois de um ano distraídos perante um buraco de milhares de milhões de euros que tem estado a ser cavado no BES e no GES, ocorre-nos a pergunta: É com uma festa que além de ser popular, cultural, desportiva, de lazer, que dignifica a política com o propósito de aproximar dela os cidadãos e que proporciona fundos à atividade de um partido (desta forma conscientemente financiada pelo povo) que esta gente está preocupada?
Nada mais óbvio. Um governo cada vez mais ilegítimo e afastado dos cidadãos, dependente do suporte corruptor de grandes grupos económicos, e cuja queda só não aconteceu ainda porque o seguram a mão do Presidente da República e as derivações eleiçoeiras do maior partido da oposição, mostra-se naturalmente incomodado com a presença e influência na cena política de uma força que previligia como fonte de recursos o subsídio popular voluntário.
Dizem que não há diferenças, mas que elas existem, existem, e tem sido, é, e continuará a ser através delas e do seu reconhecimento que, como dizia o poeta, o mundo pula e avança...
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 10 de setembro de 2014