Vergonhas

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Mário Abrantes“Não há pequenas e grandes empresas, mas simplesmente boas e más empresas”! Como se, por exemplo, as agências de publicidade que vivem dos anúncios do Modelo e Continente (e doutros grandes grupos) fossem empresas “boas” quando eles lhes compram o trabalho, e “más” quando eles decidem não gastar dinheiro em publicidade…

Com o tino e a desvergonha que lhe são conhecidos, assim falou contra a crise e os apoios públicos reivindicados pelas pequenas e micro empresas, o senhor Belmiro de Azevedo.
 
Honrosa e desbocada excepção, pois entretanto outros insistentes e matraqueantes (pretensos) fazedores de opinião e principais responsáveis pela multiplicação da miséria envergonhada, calaram-se nos últimos tempos. Tempos duma crise que eles ajudaram a construir, e que, pela dimensão acumulada, já não permite à miséria envergonhar-se tão facilmente como lhes convinha.

Refiro-me àqueles que, seguindo o pulsar dos grupos financeiros ou belmirescos (que hoje passam para a frente da fila a “exigir” sem vergonha mais e mais apoios públicos para pagarem aos seus credores ou para, dizem eles, não terem de despedir pessoal), semanalmente não se cansavam de apregoar o seu despeito crítico por aquilo que consideravam ser o pior dos males da nossa economia produtiva: a mania da subsidio-dependência, cultivada por lavradores, pequenos comerciantes ou outros pequenos empresários.

Refiro-me àqueles que não se cansavam de apregoar semanalmente o seu despeito crítico pelo que consideravam ser o pior dos males da sociedade: os preguiçosos que vivem do rendimento mínimo.

Tempos em que o peso da realidade envergonha a razão destas vozes na proporção inversa da vergonha que a miséria vai perdendo.

O rendimento social de inserção nos Açores consumirá apenas 1,8% dos mais de 760 milhões de euros de investimento público previstos para 2009. Está longe de comprometer financeiramente o que quer que seja, mas tem no entanto servido para suporte de vida mínimo a 17500 açorianos vítimas de realidades que, essas sim nos envergonham cada vez mais, como sejam não ter dinheiro para pagar a luz, o gás ou a água (só em Ponta Delgada perto de 1000 famílias com a água cortada em Dezembro); como sejam mais de 4000 mulheres à procura de competências para tentar chegar ao mercado de trabalho; como sejam os familiares de mais de 3000 trabalhadores por conta de outrem a ganhar menos de 310 euros por mês ou aqueles que continuam a chegar ao desemprego sem qualquer subsídio; como sejam 8000 crianças e jovens, sem idade para trabalhar, a viver abaixo do limiar da pobreza.

Vergonha é também constatar que, para o apoio aos idosos, à infância e juventude, às famílias e cidadãos com necessidades especiais ou para apoio à igualdade de oportunidades, o investimento público em 2009 não irá além de 2,2%, dos 760 milhões previstos.

Com os preços mais altos e os salários mais baixos que no Continente, prevendo ainda mais falências e desemprego nos próximos meses (como foi dito), estes números fazem lembrar a ideia luminosa da Câmara de Ponta Delgada de subsidiar as rendas de casa (em vez de baixar a água, por exemplo), mas não são certamente números de quem anda à procura de soluções sérias para os problemas. São mais daquele que prefere esperar por Junho (como também foi dito) para ver se a borrasca amansa…

 

Mário Abrantes, no Jornal "Diário dos Açores", em 5 de Março de 2009