Abril em Maio

anibal_pires.jpgA Revolução de 25 de Abril de 1974 que na passada terça feira foi assinalada com comemorações populares, um pouco por todo o país mas também por todo o mundo português, assumem a cada ano que passa e que a realidade política, social, cultural e económica se distancia dos ideais e princípios que enformaram o processo revolucionário, desencadeado naquela madrugada de Abril, uma importância determinante na defesa dos valores e das conquistas democráticas que a Revolução dos Cravos possibilitou.

A celebração desta data histórica, por certo a mais marcante do século XX português, para além do carácter simbólico e de afirmação popular de defesa da democracia conquistada há 32 anos tem, em minha opinião, outros motivos para ser comemorada e transformada em acção e luta. Celebrar o 25 de Abril é trazer a memória do passado ao conhecimento de quem nasceu e cresceu em liberdade. Há 32 anos Portugal saiu de um regime político opressor que votava o povo português ao atraso e à miséria, onde a liberdade e os direitos sociais eram inexistentes e que mantinha uma anacrónica guerra colonial em África.

A ruptura que aconteceu na Revolução de Abril foi com um passado em que o horizonte dos jovens não ia para além de uma guerra que mutilava e matava, em que as canções, os livros e os filmes eram proibidos e as artes, a televisão, as rádios e os jornais censurados, um passado com uma taxa de analfabetismo de 34%, e em que mais de 50% dos lares portugueses não tinham água e 36% não dispunham de electricidade, um passado em que a emigração era o triste sonho e destino de centenas de milhar de portugueses. Celebrar a Revolução é impedir que se encerrem as “portas que Abril abriu”.

A luta contra a ofensiva das políticas que nos últimos anos têm vindo a desvirtuar o texto constitucional que, em 2 Abril de 1976, consagrou as mudanças políticas e perspectivou um futuro de progresso, desenvolvimento e de justiça social e económica para Portugal, políticas que condicionam o presente e o futuro. A luta pela inversão destas políticas não pode nem deve dissociar-se das celebrações de Abril, mas também das celebrações de Maio dos trabalhadores. Celebrar Abril e Maio é, sobretudo, lutar por um Portugal com futuro, num mundo melhor. Um mundo de paz, sem fome, sem exclusão, um mundo de humanidade e para a humanidade. O momento que vivemos não é uma inevitabilidade da globalização e da “modernidade”. Inevitável é que para uns, poucos, possam viver na sociedade da abundância outros, muitos, tenham de viver na miséria. Comemorar e celebrar Abril e Maio é construir o sonho de um Mundo mais justo e fraterno.

Anibal Pires, IN Expresso das Nove, Ponta Delgada, 28 de Abril de 2006