Golpada de banqueiros

anibal_pires.jpgO Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social confirmou, publicamente, que o Governo e o sector financeiro entabularam negociações que visam a transferência dos Fundos de Pensões do sector bancário para a Segurança Social pública.
Os analistas e comentadores de serviço apressaram-se a louvar a iniciativa e a “demonstrar” as vantagens que daí podem advir para o estado das finanças públicas, nomeadamente da segurança social. O exemplo utilizado não pode ser mais elucidativo – a passagem da totalidade dos trabalhadores, apenas de uma instituição bancária, para o regime geral da segurança social permite um encaixe extraordinário de 4000 milhões de euros. O clima está, assim, a ser preparado para a transição ser o mais pacífica possível no seio dos trabalhadores bancários e aparecer aos olhos da opinião pública como um filantrópico gesto dos banqueiros que, desta forma, dão o seu contributo para o equilíbrio financeiro do “depauperado” sistema público de segurança social e para o combate ao défice público. Sabendo-se que o sector financeiro tem vindo a assumir, claramente, a privatização da gestão das pensões, a pergunta que se impõe (porque não acredito na filantropia dos banqueiros), é: Quais as vantagens que a banca retira deste negócio? As fusões e a política de redução dos custos com pessoal que se tem verificado no sector financeiro tiveram como consequência a diminuição do número de activos no sector bancário, ou seja, entre 1998 e 2004 o número de trabalhadores da banca diminuiu em 8389.
 
Muitos destes trabalhadores foram “forçados” a antecipar as suas reformas, não por vontade própria mas fruto da política seguida pelas administrações bancárias. Deste facto resultou um aumento dos encargos dos fundos de pensões e a consequente falta de provisão para cumprir as responsabilidades já assumidas. A provisão, no final de 2004, dos fundos de pensões dos 5 maiores bancos portugueses era de 70%. O sistema é já deficitário e a tendência é para o seu agravamento. O que a banca pretende, afinal, é a transferência de responsabilidades que são suas para o sistema público de segurança social o que, vindo a acontecer, põe em grave risco a sustentabilidade do sistema. A obsessão do combate ao défice que tem dominado a actuação deste e de anteriores governos, bem como a abertura demonstrada à proposta dos banqueiros não são um bom prenúncio. O que hoje pode ser uma receita extraordinária que contribuirá para a redução do défice público é, no futuro próximo, uma despesa incomportável para a segurança social que se iria verificar quando se iniciassem o pagamento das pensões.
 
A defesa do interesse público assaca ao governo a responsabilidade de dizer não a esta golpada dos banqueiros e aceitar apenas os encargos com os trabalhadores que vierem a ser admitidos a partir do próximo ano. A verificar-se este cenário compete aos trabalhadores da banca garantir, em sede de negociação colectiva, que à semelhança do que já actualmente acontece com os funcionários de algumas instituições (Caixa Agrícola e Totta e Açores) os novos trabalhadores possam ver garantido uma pensão de reforma em tudo idêntica à dos trabalhadores que hoje estão no activo, ou seja, que a pensão da segurança social seja complementada por fundos de pensões criados pelas respectivas instituições. Sob pena de coexistirem no mesmo sector de actividade dois regimes de pagamento de pensões de reforma. Esta não é uma questão que diga apenas respeito aos trabalhadores bancários, Se se verificar a transferência dos fundos para a segurança social o problema financeiro que a prazo se colocaria à segurança social levaria, por certo, à diminuição de regalias para a generalidade dos trabalhadores que, actualmente, delas usufruem. Esta é, portanto, uma questão nacional e de defesa do interesse público que, por isso mesmo, a todos interessa.
 
Aníbal C. Pires Publicado a 18/11/05 em “Olhares” no Açoriano Oriental