Um mar de rosas

anibal_pires.jpgO maior investimento público de sempre, défice zero, a, quase, auto sustentação orçamental em virtude de um acentuado aumento das receitas, a diminuição da despesa. Tudo o que o país do défice público necessita e a região já dispõe.
E, melhor ainda, sem sobressaltos nem conflitualidade social, a não ser a permanente contestação no sector da educação e uma ou outra manifestação dos trabalhadores das IPSS, enfim, nada que perturbe o sono do nosso presidente e o seu desígnio de conduzir os Açores pelas “Portas do Mar”. Que lição deve tirar o Eng Sócrates para que este “mar de rosas” orçamental e de paz social, vivido na região se estenda ao jardim à beira mar plantado? Já que na pérola atlântica reina, há trinta anos, a despreocupação orçamental e uma barreira anti-crise económica construída pelo inefável horto laranja e que constitui um interessante “case study” de ciência política à portuguesa. O orçamento regional de 2006, recentemente aprovado na Assembleia Legislativa Regional, não está ao alcance da compreensão do comum dos mortais tais são os “mistérios” que encerra. Este códice que não é de Leonardo, mas é digno de Dan Brown, está repleto de enigmas cuja descodificação só os verdadeiros “iniciados”, possuidores da “chave” orçamental, compreendem.
 
A “chave”, representa uma das maiores senão a maior aquisição autonómica após a consagração constitucional das autonomias, depois de forjada numa incessante luta de mais de 20 anos, foi dada aos povos insulares e designada de Lei das Finanças Regionais. Os “Senhores do Défice” a quem a “chave” foi conquistada viram o seu poder diminuir e, em nome de um obsessivo equilíbrio das contas públicas, forjaram primeiro o endividamento zero e, não satisfeitos, depois de fecharem o calendário eleitoral de 2005 criaram um novo e enigmático códice para a Lei das Finanças Regionais a que só alguns “iluminados” insulares podem aceder. Só assim se pode explicar o Orçamento Regional para 2006 de onde desapareceram despesas e onde foram inscritas receitas, à data, virtuais.
 
Os exercícios contabilísticos, a engenharia político financeira que caracteriza o orçamento da Região para 2006 e o espesso manto de nevoeiro que o discurso oficial estende sobre este importante instrumento da governação procuram, em bom rigor, esconder a real situação das finanças públicas regionais. Se relativamente às despesas é fácil encontrá-las disseminadas por institutos e empresas públicas, criadas para esse efeito, já no que concerne às receitas só a execução orçamental pode desvendar alguns “mistérios” que lhe estão subjacentes, no entanto, e porque não acredito em milagres, vou adiantando uma previsão – a execução do plano e do orçamento em 2006 ficará muito aquém do agora previsto e, sobretudo, do desejável e necessário. Ou seja, o plano anual que está associado a este orçamento não passa de uma ilusão à boa maneira de David Cooperfield. Com as finanças públicas regionais a gozar de tão boa saúde não nos admiremos que, um destes dias, os “Senhores do Défice” que habitam lá para os lados do palácio de S. Bento exijam o controle total da “chave” e que a autonomia, ao invés de se aprofundar (de que estamos à espera para apresentar uma proposta de revisão do Estatuto Político da Região), mergulhe no fundo de um “mar de rosas”.
 
Aníbal C. Pires em “Olhares” no Açoriano Oriental em 2 de Dezembro de 2005