Com a proximidade de mais uma época natalícia, desdobram-se as famílias, parentes e amigos em apressadas correrias, longas esperas, filas e trânsito compacto acelerado, o aborrecido mas inerente corrupio em busca do presente fundamental, da lembrança desejada, daquela última compra que vai fazer toda a diferença. A diferença entre o ter e o não ter. E este ano não ter, vai ser uma moda forçada.
Após o acordo de 2006 em sede de Concertação Social entre os patrões, governo e sindicatos, que estabeleceu como meta o valor de 475€ para o Salário Mínimo Nacional (SMN), no que ao ano de 2010 diz respeito, parece que agora, ao jeito de uma prenda de Natal de mau gosto, há quem queira voltar atrás.
O próprio governo, depois de questionado pela oposição e pela CGTP acerca do Acordo confirmou, como se exigia, aquele valor, que assenta na elevação do SMN até aos 500€ em 2011, numa tentativa de valorizar o poder de compra de quem ganha menos no país, contribuindo, desta forma, para um aumento dos montantes disponíveis dos trabalhadores, concorrendo assim para a estimulação do mercado interno e da própria economia nacional.
De facto, a afronta dos patrões com a contra-proposta de um aumento de mais 10€ para o SMN, passando este para o miserável valor de 460€ reveste-se, em primeiro lugar, de uma enorme falta de respeito por quem, durante tantos anos, tem permitido às empresas, nomeadamente às grandes empresas nacionais e multinacionais, acumularem lucros abissais, à custa dos salários que muitas vezes se assemelham a pura exploração. Depois, porque, a pretexto da crise, as empresas têm visto o governo da República, bem como o executivo regional, concederem-lhes avultadas somas em condições especiais, perdões fiscais, ou a diminuição da taxa social única, retirando assim dinheiro à segurança social, tudo isto com a promessa, quase nunca cumprida, de manutenção do emprego. Agora, numa altura em que é imprescindível aumentar o poder de compra dos portugueses, os patrões acham que não, e rasgam os acordos do passado recente, empreendendo uma espécie de teimosia lucrativa acenando, se as suas pretensões não forem totalmente acauteladas, com o inevitável caminho do desemprego, tentando esconder o facto de que os custos com pessoal representam apenas 12,5% das despesas globais das empresas.
O que fica desta proposta do patronato, é que o SMN é um negócio de chantagem para exigir ainda mais benefícios e subsídios ao Estado, apenas possível pela falta de solidariedade com quem já tanto lhe deu a ganhar. E não fosse esta postura que conservam há mais de trinta anos, amparada pelos sucessivos governos saídos da Revolução de Abril, e o SMN seria já bem mais elevado, se tivesse sido aumentado anos após ano, tal como o foram a generalidade dos bens e serviços, acompanhando o valor da inflação. Se os aumentos do SMN desde há 35 anos representassem o valor da inflação, isto é, acompanhassem a subida dos preços, este fixar-se-ia em 562€, mais 87€ do que a proposta do governo, e representaria mais 102€ relativamente ao inadmissível valor avançado pelos representantes dos patrões.
Destas contas, facilmente se afere que, sendo um facto consumado que a generalidade dos portugueses tem visto drasticamente reduzido o seu poder de compra, outra verdade irrefutável neste momento, é que ele (o SMN) representa apenas 85% do poder de compra, relativamente ao seu valor aquando da sua introdução, em 1974. Ou seja, logo após o período revolucionário, o SMN valia muito mais, do que vale hoje em dia. E esta, será uma das razões que mais concorrem para o declínio da nossa economia, para o aumento da pobreza generalizada, mas, por mais paradoxal que possa parecer, para a contínua constituição das mais mirabolantes e extravagantes fortunas.