Victor Constâncio, fazendo jus aos seus pergaminhos, como irrepreensível delegado e promissor candidato à Administração do Banco Central Europeu, justificando obviamente na íntegra o ordenado de quase 18 000 euros (3 600 contos) que os portugueses lhe pagam mensalmente, decidiu informar quem lhe paga esse ordenado que este ano, tendo em conta a recuperação económica (…da banca), é “imperativo reduzir o défice público, e para isso deverão ser tomadas as medidas que forem necessárias, quaisquer que elas sejam”.
Ora, deste sapiente recado, fica-me uma dúvida metafísica:
Se o governador do Banco de Portugal não anunciou qualquer baixa no seu ordenado; se o silêncio cúmplice entre Sócrates e Cavaco, com a furtiva e rapidíssima reprivatização do BPN, acrescentou muitos milhões ao défice público; se, apesar de arguido em matéria competente de tais funções, Armando Vara voltou a ser consultor do BCP, mantendo o seu ordenado mensal de 34 000 euros (6 800 contos); se, como ainda afirmou Victor Constâncio, o modelo do sistema bancário português (português?) não deve sofrer grandes alterações; se, como afirmou em simultâneo o Presidente da Associação Portuguesa de Bancos, os lucros dos bancos têm de continuar a subir, e se as transacções milionárias da bolsa de valores vão continuar a não ser taxadas, a que “medidas necessárias”, para baixar o défice, se referiria então o nosso governador? “Quaisquer que elas sejam”, como ele advoga? Não será talvez tanto assim, pois aquelas que moralizam super-salários e super-lucros, como se deduz do que foi exposto, estão excluídas à partida.
Resta, portanto, para reduzir o défice público, aquilo que Victor Constâncio não se atreveu desta feita a mencionar expressamente, isto é, cortar (mais uma vez…) na “outra” parte, nos “outros” salários e nos “outros” rendimentos: os de quem trabalha e produz, de quem já trabalhou e produziu e os de quem se prepara para vir a trabalhar e produzir!
E duas certezas me ficam:
1. Victor Constâncio, pouco se importando com o que deixa atrás (como fez Barroso), está já de partida para o Banco Central Europeu, ou então começa a não saber o que diz. Ter-se-á esquecido que com estas “medidas” consecutivas, aplicadas sobre quem lhe paga (e ainda não se livrou da crise), qualquer dia vai ficar com os ordenados em atraso, ou vai mesmo ter de ir bater à porta do fundo de desemprego?
2. Se, ateando o fogo a si própria, a Banca arde, o défice (antes controlado ao limiar do sufoco) pode afinal derrapar até onde for preciso (já vai em mais de 8%, e sempre na boa). Se a Banca começa a renascer das cinzas, depois do seu fogo apagado pelos milhões de todos nós (e há quem acrescente outros milhões de lavagens), é a própria incendiária que, atrelando-se ao poder, exige a imediata e imperativa retoma do combate ao défice, mesmo que tudo o resto continue a arder em danos colaterais...
Em Portugal quem manda, manda!
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado no jornal "Diário dos Açores" na sua edição do dia 7 de Janeiro de 2010