O Jornal Fazendo (Agenda Cultural Faialense) surgiu aqui na Horta, no dia 1 de Outubro de 2008, por iniciativa de jovens criativos e livres, assume-se como comunitário, não lucrativo e independente e visa, tal como é dito no primeiro número, constituir “uma plataforma de divulgação do que cá se faz”, para logo acrescentar “o que cá se faz na música, o que cá se faz no cinema, no teatro, na fotografia, na ciência e em tudo o mais”.
O Jornal Fazendo tem não só cumprido muito bem esses objectivos, ao longo dos seus trinta números publicados, como os ultrapassou, sendo hoje uma referência criativa que muito contribui para a valorização da nossa comunidade e para a afirmação de uma cada vez maior capacidade colectiva de fazer, de construir e de transformar. Essa capacidade existe mas é por uns desvalorizada, por outros negada e por outros ainda obstruída. O Jornal Fazendo contraria a estagnação, nega a obstrução, afirma as muitas capacidades existentes e contribui para que elas se consolidem e desenvolvam.
Por tudo isto foi com natural satisfação que recebi do Jornal Fazendo o convite de colaborar neste número, tendo-me sido dito que tratasse o tema que entendesse. Entretanto insisti para que houvesse da parte do Jornal uma sugestão e ela veio no sentido de tratar “a possibilidade da concretização dos ideais comunistas hoje em dia e mais concretamente aqui no Faial”. Recebo a sugestão com inteira naturalidade e mesmo com satisfação, pois é público que a minha participação política foi sempre assumida como militante, que há muito sou, do PCP. Respondo ao desafio, mas alertando, desde logo, que este texto só pode pretender ser uma primeira reflexão sobre um tema muito vasto. Posto isto, ai vamos, fazendo….
Começo por dizer que como comunista que sou, luto por uma sociedade liberta da exploração do homem pelo homem, da opressão, desigualdades, injustiças e flagelos sociais, onde o desenvolvimento das forças produtivas, o progresso cientifico e tecnológico e o aprofundamento da democracia económica, social, política e cultural assegurarão aos cidadãos liberdade, igualdade, elevadas condições de vida, cultura, um ambiente ecologicamente equilibrado e respeito pela pessoa humana. É este o ideal comunista pelo qual luto, integrado num Partido que o assume de forma integral, desassombrada e sem concessões. É por este ideal comunista que muitos milhões de seres humanos lutam, sabendo embora que as pesadas derrotas, de várias naturezas, que contra ele se produziram ou foram induzidas, atrasam a luta, dão força à sua negação, alimentam divisionismos, inspiram oportunismos, solidificam desconfianças. O ideal comunista é um ideal de transformação profunda, que implica a transformação do próprio homem.
Lutar por esse ideal tem que ser lutar por todos os objectivos imediatos e de médio e longo prazo que possam contribuir para a construção de uma sociedade que, sendo democrática, seja também mais justa. Não se luta por esse ideal assumindo conformismos e praticando concessões.
Lutar por esse ideal implica defender todas as conquistas civilizacionais que foram sendo adquiridas pela humanidade. Implica defender todas as conquistas políticas que valorizam o papel da sociedade, a sua liberdade e os direitos individuais e colectivos adquiridos. Implica reconhecer o valor do trabalho enquanto modo de criar riqueza e enquanto forma de valorização pessoal. Implica a procura constante de formas mais justas de repartir a riqueza criada, de colocar ao serviço pleno da Humanidade a fulgurante evolução da ciência e da técnica a que assistimos. Implica o urgente aprofundamento da luta para anular os criminosos e sistemáticos atentados que se fazem todos os dias, à escala planetária, contra os equilíbrios ambientais, que são essenciais à vida.
Lutar por esse ideal implica uma luta permanente pela Paz, pelo direito dos Povos a existirem e a viver de acordo com as suas legítimas aspirações, pelos direitos individuais que deverão ter como limite os legítimos direitos das comunidades.
Lutar por esse ideal, neste Mundo que está a ser alvo de uma globalização dominadora e destrutiva, obriga à luta pela preservação das especificidades que marcam os Povos, as comunidades e as várias formas de ser e de estar, associada a uma ideia clara de globalização construtiva, valorizadora da humanidade e respeitadora das diferenças.
Lutar hoje, no nosso Pais, pelos ideais que assumem os comunistas e que, pela sua natureza, são partilhados por muitos cidadãos, obriga a que se criem condições de verdadeira credibilização social desses valores, como valores autênticos e, necessariamente, substitutivos dos falsos valores hoje dominantes, que apelam a um individualismo feroz, a uma alienação massiva e que deitam mão a uma manipulação global sem precedente. O conceito de democracia avançada, criado e consagrado pelos comunistas portugueses deste nosso tempo, aparece como objectivo político pelo qual se luta e que visa atingir uma democracia que seja, simultaneamente, económica, social, política e cultural. Dar sentido à democracia política associando-lhe a justiça social; criar, sem manipulações, uma intensa e participada actividade cultural; enfrentar, com resolução, os múltiplos e graves problemas sociais, gerados, todos os dias, pela injustiça e exploração reinantes; consolidar uma nova forma de encarar as questões ambientais e a sua relação com as actividades produtivas; são, de entre outros, objectivos transformadores incluídos neste vasto programa político pelo qual luto.
Pensar estas questões, à escala da nossa Região Autónoma ou da nossa Ilha é não só motivador como pode ser mobilizador, uma vez que se torna mais fácil perceber, no concreto, quanto melhor seria!
Ser daqui e estar aqui tem que implicar, cada vez mais, um esforço continuado de transformação positiva, de concretização, na prática, dos valores que se diz defender e de combate aos constantes comportamentos dúplices a que todos assistimos. A sociedade tem que ganhar consciência de que os poderes políticos e sociais não podem ser exclusivo dos que sempre foram, ou dos que se transformaram, em carreiristas, cujo objectivo é, sempre, o de manter as situações e beneficiar com isso. Os poderes políticos, incluindo o poder local, têm que ser obrigados a perceber que existem para servir e não para serem a correia de transmissão dos interesses dominantes e dominadores que tudo condicionam e que procuram, em cada minuto que passa, tentar evitar transformações positivas.
Não é racional pensar-se que o Mundo há-de ser sempre como hoje é! Lutar, com convicção e alegria, pelas rupturas e transformações que são precisas e urgentes, é o único caminho que podemos vislumbrar, no emaranhado de dificuldades e obstáculos que se nos apresentam. Esta ideia é válida em geral e é válida para esta nossa Terra, onde, quando nos convencermos que existe essa possibilidade, podemos viver bem melhor do que hoje acontece.
Sem qualquer espécie de triunfalismo e sem nervosismos inconsequentes, espero convictamente que este Povo possa voltar a erguer os cravos que já vi e possa voltar a fazer, com verdade, o V da Vitória.
Artigo de opinião de José Decq Mota, publicado no jornal "Fazendo", na sua edição do dia 28 de Janeiro de 2010