Encontramo-nos a meio caminho de parte nenhuma. A meio caminho de uma nebulosa e esguia estrada repleta de buracos, pedras e lama, que constrangem e penalizam quem, na sua rotina, tenta chegar ao fundo do itinerário, ao lado de lá da rua.
As populações desesperam com as novas medidas de austeridade apresentadas pelo governo da República, amplamente aceites e, até, enaltecidas pelo governo regional de Carlos César. Porque tem que ser, porque é a única solução, porque por aqui é que lá vamos, porque tudo o resto é pior do que aquilo que temos em cima da mesa.
É comum ouvirmos os grandes empresários do país, alinhados no discurso da direita e do PS, que as leis laborais e a Constituição têm de ser alteradas. Em ambos os casos, para flexibilizar: seja para precarizar a vida dos trabalhadores, seja para, constitucionalmente, consagrar o fim de muitos dos direitos conquistados no 25 de Abril, como a contratação colectiva. A estas alterações que querem forçar, e à sua negação, chamam-lhes de tabu. Matéria tabu que, segundo eles, urge alterar.
Outros tabus existem que, apesar do combate que lhes é feito permanentemente nas empresas, nos locais de trabalho, nos Parlamentos e nas ruas, e que contribuem para o agravamento das diferenças entre pobres e ricos, continuam a sê-lo por opção dos governos, dos bancos centrais, e da própria União e Comissão Europeia.
O tabu em relação aos lucros dos bancos, e da tributação que não lhes é convenientemente feita, que lhes permite ter os lucros fabulosos que conhecemos, nomeadamente em tempo de crise. Mesmo com a introdução da sobretaxa sobre o IRC, continuarão a pagar menos do que a mercearia da minha rua.
O tabu que a União Europeia protege e promove relativamente aos off-shores, que permanecem como a nuvem ideal para investir dinheiro livre de impostos, tantas vezes de origem criminosa, e que consagra o agudizar de assimetrias entre quem não tem solução senão cumprir com as suas obrigações fiscais, e aqueles que enriquecendo sem trabalhar e sem pagar impostos, fazem-no a coberto da protecção dos Estados e dos órgãos de decisão europeus.
Outra matéria que costuma ser vista como um tabu, prende-se com o número de funcionários públicos, eternos culpados pelos problemas nacionais, sempre apontados pelos governos como o problema, e a solução para as crises. São demais, são muitos e são desnecessários no contexto actual. É assim que, à boca cheia, empresários e alguns partidos caracterizam aqueles que abraçam o serviço público com toda a dignidade e perseverança, como um acto elevado de cidadania. Esta falsidade é desmentida pela realidade, pois o que não dizem, é que os países mais avançados e mais ricos do mundo, como a Noruega ou a Suécia, têm uma média de funcionários públicos relativamente à população, muito superior à portuguesa e, por muito que lhes custe ouvir, os funcionários públicos não têm direitos a mais, os do sector privado é que têm a menos.
O que não é tabu nenhum para a direita e para o PS, é a diminuição dos salários dos trabalhadores portugueses, sejam eles do sector público ou privado. Para além dos aumentos de impostos já anunciados, aliados ao congelamento de salários e, em alguns casos, ao congelamento de carreiras, outras matérias não parecem ter a mesma relevância ao nível dos tabus.
Depois do anúncio das recentes medidas de austeridade, os comentadores do costume avançam já com outras, mais penosas, injustas e insensíveis, como o corte do subsídio de Natal, ou o seu pagamento através de certificados de aforro, ou títulos de dívida pública. Claro, como é óbvio aos seus olhos, apenas para aqueles que vivem do seu salário.
O que não deveria ser tabu, e olhando à proposta do parágrafo anterior, era levar-se a cabo o pagamento dos prémios dos gestores públicos, os valores das mais-valias ganhas na bolsa, a segunda pensão e seguintes, os lucros dos bancos acima de determinado valor, dizia, fazer-se este pagamento nos tais certificados de aforro e títulos de dívida pública, para desta forma a poupança ser uma realidade. Pelo menos para alguns. E a tal diferença entre pobres e ricos poderia ser esbatida, ou pelo menos, minorada.
Artigo de opinião de Fernando Marta, publicado no jornal "A União", no dia 27 de Maio de 2010