No próximo dia 11 de Fevereiro, os cidadãos e cidadãs portugueses
recenseados no território nacional vão ser chamados a pronunciarem-se
se concordam ou não com a despenalização da interrupção voluntária da
gravidez, se realizada por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas,
em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.
Embora a pergunta seja simples, exige uma reflexão profunda e muito esclarecimento, para que a resposta possa ser dada isenta de manipulações e demagogias.
Em primeiro lugar há que aferir o que verdadeiramente está em causa com a pergunta do Referendo. Não se trata de se ser a favor ou contra o aborto. Não se trata de se debater onde começa a vida. Esse debate poderia fazer sentido se o Código Penal não previsse já a interrupção voluntária da gravidez. Nas situações em que esta não é punida já existe vida intra-uterina. O Estado não pode, nem deve adoptar na Lei Penal códigos morais de alguns para os impor a todos. Umas das características das normas jurídicas são precisamente a generalidade e a abstracção.
Estamos no domínio do direito e da racionalidade.
Os argumentos de natureza emocional baseados em premissas erradas apelam à consciência ingénua e não à consciência crítica, pressupõem menoridade mental das pessoas a quem se destinam, revelam superioridade e arrogância por parte de quem os utiliza.
A questão é jurídica e de política criminal, ou seja, as pessoas que têm direito a votar no Referendo são chamadas a participar no processo legislativo que conduzirá ou não a uma alteração do Código Penal em matéria de alargamento das situações em que não será punível a interrupção voluntária da gravidez.
E porquê acrescentar às situações de exclusão da ilicitude do aborto, a interrupção voluntária da gravidez por opção da mulher, se realizada até ás 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?
Existem várias razões para dizer SIM, para mim principalmente é reconhecer que o aborto clandestino é uma realidade e um flagelo social, que tem nefastas consequências para a saúde das mulheres e que a sua criminalização nunca dissuadiu as mulheres de o praticar, quer por razões de ordem pessoal, económica e social, resultando na ausência de condições para assegurar uma maternidade (e paternidade) consciente e responsável, e devido a falhas na contracepção.
A única solução possível para o combate a essa interrupção é a abstinência sexual porque todos os métodos contraceptivos são susceptíveis de falhar.
Não podemos ignorar a quantidade de gravidezes indesejadas, fruto de violência domestica e abuso sexual de menores dentro do seio familiar e que são conduzidas para a clandestinidade de aborto inseguro, porque simplesmente as vítimas não conseguem enfrentar as implicações cruéis a que se sujeitam na denuncia de violação por parte dos companheiros ou familiares.
Não vai ser a despenalização do aborto que levará à sua pratica. Como o contrario também é verdade, ou seja, não é pelo facto de o Código Penal criminalizar o aborto que ele não é praticado. Ele existe e pratica-se todos os dias. O que se pretende com o SIM é tirá-lo da esfera clandestina para o campo da legalidade e da segurança médica e criar todas as condições nos serviços de saúde para que o recurso ao aborto venha a diminuir. Quem recorre ao aborto num estabelecimento de saúde, será obrigatoriamente melhor acompanhada pelos respectivos serviços de saúde. Contará com o esforço dos profissionais envolvidos nesta área, na informação e no esclarecimento, onde a vontade politica do Ministério da Saúde é determinante, traduzindo-se em dotações financeiras, para que a valência do planeamento familiar seja reforçada.
Quem recorre ao aborto não o faz de forma «leviana».
Quem assim argumenta não reconhece á mulher a capacidade intelectual, ética e moral de tomar decisões responsáveis como é interromper uma gravidez. Estas forças estiveram contra a implementação dos métodos contraceptivos (preservativo, pílulas e DIU) porque diziam gerar permissividade de costumes. São forças que sempre se opuseram a que a educação sexual constasse nos currículos escolares e que se insurgiram com grande violência contra a abertura de consultas de planeamento familiar para jovens.
A evolução verificada ao longo dos anos dos direitos sexuais e reprodutivos, obteve um contributo inestimável da investigação cientifica, mas nunca dispensou a luta das mulheres e das organizações revolucionarias e progressistas contra a exploração da mulher, contra os preconceitos e obscurantismo que atravessam a história da humanidade. Para a mulher, significou o direito a viver e a usufruir a sua sexualidade e estar grávida deixou de ser para muitas uma fatalidade ou um destino para se tornar um direito, uma escolha. Emergiu um novo direito para a criança que nasce – o direito a ser desejada.
Patrícia Santos