Por um lado, por via da reabertura do diálogo politico/institucional à esquerda do PSD, assistiu-se ao despertar da adormecida riqueza da democracia e de todo um horizonte de possibilidades constitucionais cujas portas nos últimos anos têm vindo a ser sistematicamente trancadas pelos poderes instalados para dar passagem exclusiva ao “não há alternativa ao austeritarismo”, aos partidos do “arco da governabilidade” ou à alternância no poder entre os agentes do “bloco central de interesses” para a execução de políticas de submissão a uma subliminar ditadura do capital financeiro.
Tornou-se clara a possibilidade de um entendimento do PS com os partidos rotulados de marginais à governação (CDU e BE), face aos resultados eleitorais e ao quadro constitucional vigente, entendimento esse que irá justamente para além duma simples votação conjuntural a partir das bancadas da oposição, para passar a focar-se na governação do país.
Tornou-se claro também, face à nítida maioria de eleitores que condenaram a orientação do governo de coligação (pós-eleitoral) PSD/CDS, que os 4 anos de políticas de transferência forçada de riqueza do trabalho para o capital e do consequente empobrecimento geral da população não teriam de ser continuados por um eventual governo de Passos Coelho e poderiam até ser de alguma forma revertidos por um outro governo, no respeito pela vontade maioritária dos representantes do povo na Assembleia da República.
Entretanto, sentindo perigar os seus lugares e posições no aparelho político e institucional devido à perda da maioria absoluta, esta onda gerou da parte da direita portuguesa alapada ao poder, tanto no governo como na presidência, nas instituições e na maioria da comunicação social, uma outra onda, esta de natureza agressivamente antidemocrática, visando, pela agitação de antigos fantasmas do anticomunismo e do catastrofismo político, semear o pânico face à possibilidade de qualquer mudança de políticos e políticas que fosse além do consentido pelos interesses ligados à coligação PSD/CDS.
Em simultâneo, não fosse o diabo tecê-las, resolveram juntar aos milhares de nomeações para cargos públicos efetuadas nos últimos 4 anos (as tais gorduras que eram para cortar) mais umas dezenas delas, de altos cargos do Estado, para alguns dos boys que correm o risco de deixarem de ser adjuntos e chefes de gabinete dos ministros do governo cessante.
Da maioria absoluta perdida nas urnas reforçaram a “maioria absoluta” instalada…na comunicação social, intoxicando a opinião pública com a presença e o discurso das principais figuras da coligação; com os submarinos infiltrados nas organizações dos trabalhadores (como Carlos Silva ou João Proença da UGT); aliciando a hierarquia superior da Igreja; colocando todo um exército de outros opinadores de serviço a regurgitar cenários contrários a um governo de esquerda, alguns dos quais se viram obrigados a quebrar o verniz da sua falsa independência (Ferreira Leite ou Marques Mendes, entre outros), e finalmente promovendo de forma descarada alguns dos que, mascarados de socialistas (incluindo dirigentes e ex-ministros), defenderam uma aliança com a coligação de direita, contra a vontade, estou certo, da esmagadora maioria dos eleitores do PS e contra aquilo que este partido defendeu na campanha.
Só não ficou percetível neste cenário clarificador a posição de Vasco Cordeiro aparentemente inclinada para a viabilização pelo PS de um governo da PàF. Mas, neste caso, talvez seja para ficar (para já) por isso mesmo: uma dúbia posição.