Artigo de opinião de Mário Abrantes:
Há mais de 20 anos, desde o governo de António Guterres, que se não ouvia da boca de um primeiro-ministro português, emitidas a partir dos Açores para todo o espaço nacional, expressões do género desta: “…os continentais têm de deixar essa visão, tantas vezes repetida ao longo de anos, de que as regiões autónomas são um sorvedouro de recursos financeiros do país, porque isso não é verdade. As regiões autónomas são uma enorme oportunidade para o país, quer do ponto de vista geoestratégico, quer dos recursos marítimos ou da oferta turística”, ou do género desta: “Saberá o país que cerca de 30% de todo o leite nacional é produzido pelos Açores?”.
Pois é. Há mais de 20 anos que, de forma direta ou indireta, a Autonomia vem sendo forçada à travessia do deserto, distorcida e desrespeitada por sucessivos governos na República. Constatamos com alívio (prudente, não vá o diabo tecê-las…) que esses tempos foram agora interrompidos e que terá sido retomado o rumo natural e democrático da vida nacional no respeito pelas particularidades político-administrativas, estatutária e constitucionalmente consagradas, dos Açores e da Madeira.
Estamos ainda em crer ter sido nesse mesmo espírito que uma série de medidas foram anunciadas por António Costa e os 7 ministros do seu governo que estiveram de visita aos Açores no fim-de-semana passado. O reconhecimento, e os passos concretos anunciados para o seu desenvolvimento, do plano de revitalização económica da ilha Terceira (PREIT) anteriormente proposto pelo governo dos Açores; a necessidade, e o apoio comprometido, de os Açores se assumirem como plataforma científica internacional em áreas como a meteorologia, vulcanologia e oceanografia; a reabertura do processo da lei do mar no sentido de assegurar que os Açores tenham o poder de propor, decidir e beneficiar da gestão do seu mar; o reforço de fundos comunitários para fazer face aos prejuízos nos portos registados na sequência das calamidades do final de 2015; a definição das obrigações de serviço público para o transporte de carga de e a partir dos Açores, e ainda as medidas para minimizar o impacto da crise de sobreprodução do setor leiteiro como a exclusão da componente dos subsídios ao investimento dos agricultores no cálculo de rendimento para efeitos de contribuições à Segurança Social e a defesa junto das instituições europeias da criação de um envelope financeiro adicional, no âmbito do POSEI, que permita ajudar a fazer face à situação crítica existente.
Segundo as declarações do presidente do governo dos Açores o governo da República foi além das espectativas, o que suscita a dúvida legítima sobre a existência de um certo e pouco aceitável acomodamento anterior da maioria absoluta do PS na Região aos ditames centralistas das duas últimas décadas. Mas em nossa opinião, pelo menos no respeitante às medidas indispensáveis para enfrentar a crise do sector leiteiro, o governo da República ficou até aquém daquilo que deveria ser sua obrigação, quando se mostrou de certa forma manietado por compromissos assumidos ao nível europeu pelo PS, juntamente com o PSD e o CDS, no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC) que os três subscreveram.
Por tais razões e para que os Açores se assumam por inteiro no quadro da coesão nacional e europeia torna-se assim aconselhável nesta matéria, aliás como noutras, acrescentar o contributo e o empenhamento de outras forças políticas de esquerda, seja na oposição no Parlamento dos Açores, seja enquanto parte do suporte maioritário com que o governo PS tem contado no Parlamento Nacional…