Passados que são mais de dois anos e meio sobre a invasão (Março de
2003) e, posterior, ocupação do Iraque pelos exércitos britânico e
estado-unidense; o que mudou no Mundo e, particularmente, o que mudou
no Iraque “libertado”?
As teses que fundamentaram a decisão da administração estado-unidense e britânica de invadir o Iraque, tomada à margem das Nações Unidas, caíram por terra ainda a invasão não se tinha consumado. A ocupação, para a qual não há fim à vista, apenas veio confirmar, junto dos cidadãos mais crédulos, que armas de destruição massiva e combate ao terrorismo não passaram de falácias (que Portugal subscreveu) para justificar inconfessáveis, porque perversos, objectivos.
O perigo do terrorismo não diminuiu e o medo e a insegurança aumentaram ao ritmo do aumento do preço do barril do petróleo. O Mundo não ficou mais seguro e o cenário internacional de crise económica instalou-se aí para durar. Crise muito e sempre relacionada com o custo do “ouro negro”. Custo que depois da invasão bateu sucessivos máximos.
As vítimas mortais do exército ocupante há muito ultrapassaram as 2 mil, os feridos contam-se por largos milhares e os danos psicológicos (stress pós-traumático) que 1 em cada 6 soldados regressados apresentam, são custos directos (e não mensuráveis) do povo britânico e dos Estados Unidos que resultam da aventura de George W. Bush e Tony Blair na antiga Mesopotâmia, berço da denominada “civilização ocidental”.
E os iraquianos o que pensam desta intervenção de “libertação”? O que mudou no seu quotidiano?
Haverá sempre um número indeterminado, mas claramente minoritário, de iraquianos que apoiaram e apoiam, incondicionalmente, a invasão e ocupação do seu país e que a história, mais tarde ou mais cedo, julgará. Mas, mesmo de entre os cidadãos que apoiaram a invasão e o derrube do ditador Saddam Hussein, muitos há que hoje desejam e lutam pelo fim da ocupação do Iraque e consideram que a libertação do seu país só é possível com o fim da ocupação estrangeira.
As razões que levaram a esta mudança de posição não se edificam em nenhum tipo de fundamentalismo teológico, bem pelo contrário, são terrenas e muito pragmáticas, assim como terrenas e pragmáticas são as motivações dos 52% de estado-unidenses que, em Setembro passado e segundo o New York Times – CBS News, se mostravam já favoráveis ao fim imediato da ocupação do Iraque.
As severas sanções económicas impostas, pelas Nações Unidas, ao Iraque após a “primeira Guerra do Golfo” contribuíram, a par do regime despótico de Saddam Ussein, para que as condições de vida dos iraquianos ao longo da década que precedeu a invasão de 2003, se tivessem degradado para níveis desumanos.
A intervenção militar, o derrube do regime de Saddam o, consequente, fim das sanções das Nações Unidas e os biliões de dólares anunciados para a reconstrução criaram legítimas expectativas de que a situação política, social e económica iraquiana só poderia melhorar.
A distribuição de água potável cobre menos de 50% da população, apenas 8%, excluindo Bagdad, das habitações tem ligação à rede de escoamento de águas residuais. O fornecimento de energia eléctrica é intermitente e tem uma cobertura muito menor que antes da invasão afectando, nomeadamente, os hospitais onde já se têm verificado mortes nas salas de urgência e de cuidados intensivos devido à interrupção do fornecimento de electricidade.
A realidade constatada é, no entanto, bem diferente. Realidade que nos chega pelos dados estatísticos e pelas declarações, publicadas na imprensa mundial, proferidas por alguns iraquianos que, em algum momento, acreditaram que a intervenção se destinava a melhorar as condições de vida do seu povo.
“…definitivamente, agora estamos pior que antes da guerra. Mesmo considerando o pior momento das sanções, quando estávamos numa situação miserável, não estávamos tão mal como agora...” Declarações de Eman Asin inspector hospitalar iraquiano publicadas no Times.
Aníbal C. Pires
Publicado a 25 /11/05 em “Olhares” no Açoriano Oriental