Em meados dos anos sessenta, estando eu na parte final do Liceu, criei o hábito de frequentar o Café Sport.
Naquele tempo o Café Sport, embora tivesse a imagem que foi conservada até hoje, era consideravelmente mais pequeno.
Habitualmente entrava e cumprimentava o proprietário, Senhor Henrique Janeiro que, quase invariavelmente, se encontrava na sua mesa situada atrás da montra.
Depois disso dirigia-me ao balcão colocado ao fundo e cumprimentava José Azevedo, filho do proprietário que, normalmente, retribuía com grande alegria e boa disposição.
A seguir sentava-me em qualquer lugar livre, de preferência na fila de mesas em frente da única porta existente na altura.
Aquele ambiente acolhedor, onde pontificavam algumas pessoas da nossa Terra, mas onde havia já quase sempre a presença de estrangeiros, fossem tripulantes dos rebocadores da Smith, fossem os “aventureiros” que por cá passavam, fossem ainda o pouco que restava dos ingleses do cabo submarino, cativou-me desde logo.
Aquele ambiente tipicamente de porto, onde, estando em terra, se falava muito de mar, onde se ouvia em pé de igualdade o capitão do rebocador, o oficial da baleia, o mestre de pesca, o piloto do porto, o velejador que atravessava o atlântico o mestre das nossas lanchas do Pico, ou o simples marítimo, cativou-me de forma fortíssima e irreversível.
A forma de estar do velho proprietário, parco de palavras, mas muito atencioso mesmo com o jovem que eu era na altura, transformou-me num frequentador muito assíduo.
Mas, para além de tudo isso, a espontaneidade, a boa disposição do José Azevedo, fez com que nascesse rapidamente uma sólida e duradoura amizade que cultivámos com gosto ao longo da vida.
Quero, nesta hora triste em que o Peter desapareceu do nosso convívio, dizer que ao longo dos anos, mesmo nesses momentos em que alguns entendiam que as ideias de cada qual eram divisoras e destruidoras de amizades antigas, o Peter quis que, para ele, eu fosse sempre amigavelmente “o nosso José” e eu pude sempre contar, no plano pessoal, com essa sólida amizade.
Mas no momento triste em que deixamos de ter o Peter entre nós quero principalmente deixar aqui ditas coisas a que atribuo muita importância.
O empresário José Azevedo, seguindo as pisadas do seu Pai, Senhor Henrique Janeiro, fez pela promoção do porto da Horta, pela consolidação da presença da navegação internacional de recreio, pelo desenvolvimento geral do turismo, muito mais que muitas entidades oficiais locais ou regionais.
O empresário José Azevedo, primeiro incentivando e depois potenciando o dinamismo do seu Filho José Henrique, não só transformou o Café Sport num dos mais conhecidos bares do Mundo com o nome de Peter, como transformou a marca “Peter” no principal elemento de divulgação do Faial no Mundo.
O empresário José Azevedo, que era o afamado Peter, e que ainda há pouco tempo se sentava na mesa da esquerda, junto ao balcão das recordações e dos câmbios, na versão actual do Café Sport, singrou, consolidou e diversificou os seus negócios, mas nunca perdeu o sentido humano da relação com os clientes e os visitantes, sentido humano esse, que foi afinal o segredo do caminho do Café Sport desde o tempo do Senhor Henrique Janeiro.
José Azevedo, Peter, morreu mas a obra dele ficou e temos todos a garantia segura de que vai ter a continuidade sólida que ele desejaria.
Espero que, tal como já foi feito em vida, inclusive pelo Senhor Presidente da República, que esta terra e esta Região saibam honrar com destaque a memória de José Azevedo.
Ao sugerir que se preste homenagem à memória do empresário José Azevedo, por aquilo que ele foi e por aquilo que ele fez, não se apaga a mágoa que o seu falecimento provocou, mas consolida-se a convicção de que é necessário e possível conservar, com evidência e justiça, a memória daqueles que no seu tempo foram insubstituíveis e o José Azevedo é um desses.
Para ti, meu Amigo Peter, fica esse abraço que sempre demos nos últimos 40 anos.
José Decq Mota
Publicado a 25 /11/05 no Tribuna das Ilhas