Num intervalo de apenas dez dias, o Governo Regional anunciou novo aumento dos combustíveis. Convenhamos, nada melhor que a epocazinha de férias para decretar aumentozitos destes, sabido como é que a contestação anda a banhos por esta altura...
Em geral, para justificar tais subidas, muita gente se lembra de descansar sobre um fácil e milagreiro chavão: “O barril de crude subiu no mercado internacional.” Mas, para além desse facto (que até pode nem corresponder à verdade), existem vozes autorizadas que nos desvendam sem apelo nem agravo os ardilosos subterrâneos da formação do preço dos combustíveis em Portugal, revelando como uma ou duas empresas, à custa da (eventual) subida do crude a nível internacional, se aproveitam para encaixar muito mais para a sua própria algibeira, sem que os poderes públicos movam uma simples palha para suster o abuso. E são elevadíssimos os custos dessa inacção governativa para os consumidores portugueses (500 milhões de euros a mais, entre Junho de 2008 e Junho de 2009).
Mais que o bota-baixismo simpático e populista dum Medina Carreira e com menor projecção habitual (só um jornal regional a divulga com alguma regularidade), talvez porque se torna verdadeiramente incómoda para o actual poder instituído, uma dessas vozes é a voz do economista Eugénio Rosa. Utilizando exclusivamente números e estatísticas oficiais, este observador do quotidiano da economia portuguesa, mostra como de Junho de 2008 para Junho de 2009 o preço da gasolina cobrado pelas empresas, isto é, livre de impostos, subiu mais 5% em Portugal do que em média nos 24 da União Europeia, passando, neste período, de oito para apenas três (Dinamarca, Finlândia e Itália) o número de países da UE onde esse preço é superior ao suportado pelos portugueses.
Os elevados stocks actualmente existentes na Galp, adquiridos a baixo preço (recorde-se que, ao invés de subir, o preço do barril desceu em valor absoluto 52,7% entre os princípios de 2008 e 2009), deveriam servir para amortecer ou mesmo evitar os aumentos, mas não! Ninguém impede estas empresas (embora haja quem possa) de subir os preços de imediato, fazendo-o mais que uma vez e acima dos aumentos internacionais verificados.
Só a apatia cúmplice da Autoridade da Concorrência e do Governo da República permite estas facilidades para anunciar aumentos com tão forte componente de injustiça face ao interesse público. Só a maioria absoluta e a coligação quase silenciosa de interesses entre as duas maiores representações partidárias na Assembleia da República, frustrou a recente e legitima iniciativa política de um outro partido para conter o actual e exagerado preço dos combustíveis, do gás e da electricidade, praticados em Portugal.
Outros objectivos necessários e saudáveis para uma economia (socialmente útil), como por exemplo a melhoria do acesso ao subsídio de desemprego; o aumento do salário mínimo; o combate à precariedade e ao trabalho clandestino; o aumento real das pensões e reformas; a distribuição gratuita dos manuais escolares; o acesso imediato às consultas de cuidados primários; o reforço do policiamento de proximidade; a atribuição de um rendimento mínimo para a pesca e para as explorações agrícolas; a eliminação do pagamento especial por conta (PEC); a taxação das mais valias bolsistas; o controlo dos “spreads” e comissões dos bancos, também nada têm a haver com escolhas de alternância entre o fulano Sócrates e a fulana Ferreira Leite, mas sim com o crescimento da representação parlamentar de outras forças partidárias.
São combustíveis programáticos e alternativos de que a composição política da Assembleia da República está efectivamente carente…
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado no jornal "Diário dos Açores", a 20 de Agosto de 2009