Declaração política sobre o falhanço das medidas de combate à crise
Proferida na Assembleia Legislativa Regional a 28 de Outubro de 2009
Passou sensivelmente um ano desde que o Governo tardia e relutantemente acabou por reconhecer que a tal crise “que chegaria mais tarde aos Açores e que se iria embora mais cedo”, tinha afinal chegado. Mas crise já estava instalada, ainda antes de ser decretada e não tem dado sinais de se ausentar nem mais, nem menos depressa como foi profeticamente anunciado.
Passou, então, cerca um ano desde que começaram a ser implantadas na Região várias medidas de combate a essa crise e aos seus efeitos. É, portanto, tempo de fazermos um balanço.
É nossa responsabilidade olhar para o estado da Região, avaliar a eficácia das acções desenvolvidas e de, construtivamente e com humildade, introduzir correcções e novas vertentes de intervenção se julguem necessárias.
Os açorianos exigem-nos que encontremos respostas e não basta refugiarmo-nos no estafado argumento de que a crise é internacional, tal como a gripe, e que nada mais nos resta do que cerrar os dentes e suportá-la o melhor que pudermos, sabendo-se que quem a suporta são sempre os mesmos. A crise não é para todos.
Os dados e indicadores necessários para este balanço aí estão e são claros para todos os que os quiserem ler sem a cegueira do dogmatismo ideológico ou do seguidismo partidário.
Os que acenam como sinal de confiança e retoma a recuperação de que se tem verificado nas principais bolsas onde se desenvolve a economia virtual, como sendo um indício infalível da ansiada recuperação da economia real, demonstram que nada aprenderam com o desastre global que vivemos, pensando provavelmente, que tudo voltará a ser como dantes, com os sectores especulativos a continuar a desbaratar a riqueza das nações por tóxicas fantasias financeiras, a troco da miséria de mais metade dos habitantes do planeta.
Aos que, como o Senhor Vice-Presidente do Governo Regional tentam fazer passar a ideia de que estamos apenas perante uma crise de confiança, dizemos:
- Olhe para os números, Senhor Vice-Presidente!
Olhe para o grau de endividamento das empresas e das famílias, olhe para a retracção da produção e do consumo, olhe para o crescimento do desemprego, Senhor Vice-Presidente e diga-nos se se trata meramente de uma questão de confiança!
Olhe para estes números com realismo, olhe para estes indicadores com a atitude de quem quer enfrentar a realidade e resolver o problema.
Não esconda o sol por detrás da peneira Senhor Vice-presidente.
E note Senhor Vice-presidente que por mais que repita que o problema é de confiança dos mercados e dos consumidores. Por muitas vezes que o repita e por muito que o deseje não se vai tornar verdade.
Não bastam palavras ou boas intenções Senhor Vice-presidente. Só com medidas concretas e de ruptura com modelos falidos será possível lutar contra a crise.
A verdade que temos de enfrentar é que, não só a crise não está debelada, nem controlada, nem terminada, como na verdade se aprofunda. O que temos de assumir é que muitas das medidas tomadas se revelaram completamente insuficientes quando não, mesmo, inúteis.
O ritmo de destruição de emprego na Região atinge níveis alarmantes em todas as áreas de actividade, mas com ainda mais acutilância na construção civil, sector central no nosso mercado de trabalho. Também por isso, somos infelizmente a Região do país, onde o desemprego mais tem crescido.
O brutal aumento do desemprego e as expectativas pessimistas que, quer a União Europeia, quer a OCDE, têm publicado sobre a sua evolução para o ano de 2010 exigem políticas concretas, eficazes e assertivas para contrariar esta tendência negativa. Uma tendência que põe em causa qualquer pretensão de desenvolvimento harmonioso, qualquer esperança de avançarmos no caminho da tão desejada coesão social, territorial e económica.
Por outro lado, os rendimentos dos trabalhadores açorianos, apesar dos mecanismos existentes, em termos de fiscalidade e de acréscimos salariais, continuam a apresentar valores substancialmente inferiores aos dos seus congéneres continentais. Que fique muito claro para todos os senhores deputados: Os trabalhadores açorianos estão entre os mais pobres do país.
A pobreza e a exclusão social são uma realidade em curva ascendente, da qual, senhoras e senhores deputados, senhoras e senhores membros do Governo, quer do ponto de vista político, quer mesmo do ponto de vista humano, não nos podemos alhear metendo, como essa magnífica ave que dá pelo nome de avestruz, a cabeça na areia.
E nós avisámos, Senhores Deputados. Em tempo oportuno, o PCP Açores tomou posição sobre estas medidas, uma posição que importa recordar:
Concordámos e concordamos com o declarado objectivo estratégico da manutenção do emprego, mas considerámos e consideramos que as medidas enfermam de uma visão unilateral do problema e uma abordagem parcial da solução, porque são apenas e só orientadas para o apoio às empresas e, ainda assim, sempre com a banca de permeio.
Os trabalhadores, independentemente dos seus vínculos e qualificações, não foram apoiados e viram o ciclo de desvalorização do seu rendimento acentuar-se. Para eles, nenhuma medida específica. Às famílias, apenas lhes restou esperar que os seus rendimentos líquidos aumentassem por via dos esperáveis e esperados factores externos, tal como a descida das taxas de juro, a redução do preço dos combustíveis ou uma inflação que ficou abaixo dos valores que serviram de referência para os aumentos salariais, pois da parte do Governo Regional, nada lhes foi dado.
A política dos mega-investimentos é frequentemente desproporcionada em relação à nossa realidade e não vem corrigir as nossas assimetrias, sendo bastas vezes norteada não pela preocupação de dar resposta a prioridades reais para o desenvolvimento local e regional, mas, pelo contrário, visando a satisfação de clientelismos e a execução de estratégias político-eleitorais.
A realidade mostra-nos que bem podemos comprar casas por atacado ou bonificar os lucros bancários, que não será assim que a situação se altera!
Esta declaração política não visa a crítica pela crítica, a oposição pela oposição. Bem pelo contrário, o objectivo desta intervenção é certamente o diagnóstico mas, sobretudo, um alerta para a realidade e para a necessidade de que se registem alterações profundas nas políticas regionais.
Esta declaração política é de uma oposição. De uma determinada oposição.
Uma oposição consequente que trabalha para que as suas posições e propostas possam obter acolhimento nesta Câmara e ter efeitos positivos e transformadores na sociedade açoriana.
Uma oposição que contesta mas que propõe. Uma oposição que critica mas que indica rumos diferentes. Uma oposição empenhada na seriedade do trabalho parlamentar e não na ligeireza da frase sonante ou no sound-byte oportuno. Esta é, como sempre foi e será, a nossa postura.
E é, assim, ancorados nesta atitude que consideramos ser o nosso dever apontar os caminhos necessários para fazer face à crise social que se vive nas nossas ilhas.
Só podemos combater o desemprego com medidas eficazes de apoios aos sectores efectivamente produtivos, que permitam não só dar trabalho aos açorianos, mas também que tragam, como sempre trouxeram, riqueza e desenvolvimento para a nossa Região.
Só poderemos combater a pobreza e a exclusão social dando passos decididos no sentido de uma distribuição mais equitativa da riqueza. Uma redistribuição que só pode ser feita no plano dos rendimentos e não no dos subsídios.
Só poderemos combater as assimetrias com um investimento público que não contribua para concentrar ainda mais as actividades e as pessoas, agravando ciclos viciosos que têm despovoado os nossos concelhos e paralisado o seu dinamismo.
Precisamos de investimento público, sim, mas de um investimento público que atenda às necessidades e especificidades sociais e económicas, valorizando-as de modo a que a Região seja mais, muito mais, do que a mera soma das suas parcelas.
Um investimento que abandone em definitivo o dogma da competitividade global e dos mercados de escala e afirme a nossa economia, com produtos e serviços diferenciados e de excelência. A nossa experiência recente prova à saciedade que essa tem de ser a aposta, porque escala para competir nesses mercados, dificilmente alguma vez teremos.
Um investimento que potencie as dinâmicas económicas, sociais e culturais e adoptando estratégias de complementaridade, ao invés apoiar o desperdício de recursos da competitividade cega.
Um investimento, por fim, que ponha as pessoas antes dos lucros e que contribua, efectivamente para o progresso dos Açores.
O Deputado Regional do PCP
Aníbal Pires