O deputado do PCP Açores Aníbal Pires defendeu hoje as medidas propostas para o combate à abstenção. Rejeitando a ideia de que os cidadãos estão desinteressados pela participação nos actos eleitorais, o deputado afirmou que os verdadeiros responsáveis pelos níveis da abstenção verificada são os partidos que têm alternado no exercido so poder, e empobrecido a democracia ano após ano.
Intervenção do deputado Aníbal Pires
Discutimos hoje uma proposta que é, na sua substância, muito simples.
Uma proposta que, abordando um problema complexo e profundo, não pretende ser a medida milagrosa para o solucionar.
Mas é uma proposta que tem, se mais nada, pelo menos um mérito:
Recolocar na discussão dos agentes políticos, e na agenda deste parlamento, a questão basilar na qual assenta todo o nosso sistema democrático: a participação dos cidadãos.
E esta é uma discussão não só oportuna, como necessária.
Oportuna não só porque saímos há poucos meses de um ciclo eleitoral que demonstrou gravíssimos níveis de abstenção que, aliás, na nossa Região assumiram mesmo proporções históricas.
Necessária porque é óbvio para todos que algo vai mal na nossa democracia.
Algo vai mal quando mais de 78% dos açorianos não considera útil ir votar, como sucedeu nas últimas eleições para o Parlamento Europeu.
Algo vai mal quando à mais nobre das actividades cívicas, ao exercício prático da Ética, o que o comum dos cidadãos associa é o descrédito, o desânimo e a decepção.
Algo vai mal quando verificamos a deserção de tantos mecanismos de participação directa dos cidadãos na condução dos assuntos que lhes dizem respeito.
Qualquer discussão sobre este assunto será sempre superficial, académica e, mesmo, distanciadamente diletante se não abordar, com frontalidade e determinação, as causas profundas do problema.
E para o PCP esse diagnóstico é claro:
São os partidos que têm exercido o poder neste país nos últimos trinta anos, num rotativismo aparentemente sem saída, que têm, de forma deliberada e consciente, empobrecido e esvaziado a nossa democracia.
Semeiam a decepção quando rapidamente arrumam na gaveta dos chamados “imperativos de governação” as promessas eleitorais entusiásticas.
Cultivam o desânimo quando tentam passar a ideia de que não há alternativas, apenas nuances de estilo, na governação do país, estando os portugueses eternamente condenados sempre a mais do mesmo, com actores variáveis.
Espalham o desinteresse quando se atolam na pequena política e em estéreis conflitos para encher páginas de jornais, passando ao lado da política real que o país precisa. Quando a generosidade dos dinheiros públicos parece inesgotável para salvar desastrosos e obscuros negócios bancários enquanto se mostra sempre parca, sempre escassa para ajudar os portugueses em dificuldades.
Difundem o descrédito quando a impunidade é a regra para os titulares de cargos políticos e empresariais – que aliás vão fazendo o jogo das cadeiras, rodando entre ministérios e administrações de grandes empresas –, deixando a culpa morrer sempre solteira e difusa. Escândalo atrás de escândalo, o descrédito agrava-se cada vez mais, no rasto dos casos mediáticos e dos processos em tribunal, sempre anulados, sempre arquivados, sempre esquecidos.
Propagam o desalento pela partidarização do aparelho do Estado, alimentada por uma densa teia de quadros que ocupam, designadamente por nomeação, lugares estratégicos da Administração e do aparelho do Estado, ou que beneficiam da concessão de áreas e funções nos serviços públicos, tendo por base decisões ditadas não por razões de interesse público, mas sim de favorecimento de posições e influência do partido no poder.
Avançam na subordinação do poder político ao económico, dando continuidade a um processo em que o Estado é reflexo do poder económico e, simultaneamente, agente activo na prossecução dos interesses desse poder. Procuram reconfigurar o aparelho administrativo, orientando-o para a redução de funções e responsabilidades sociais do Estado e reduzindo-o a funções de soberania, de justiça e repressivas.
A verdade, senhoras e senhores Deputados, é que o regime democrático saído da Revolução de Abril, correspondendo a uma nova realidade na sociedade portuguesa consagrada na Constituição da República, tem tido nos detentores do poder e na política de direita o seu principal inimigo e agressor.
Resultado de um longo processo de descaracterização, suportado em sucessivas revisões constitucionais e sobretudo na produção de legislação ordinária (muita dela contrariando o texto constitucional), o regime democrático, num Portugal cada vez menos soberano, apresenta-se politicamente empobrecido e desfigurado, amputado da sua dimensão social e económica originária e crescentemente asfixiado pelos grandes interesses económicos.
A evolução da vida política nacional fica marcada pelo permanente conflito de mais de três décadas entre a acção e os objectivos prosseguidos pelos sucessivos governos do PS e PSD, com ou sem o CDS-PP, e o carácter progressista e avançado do regime democrático, e da activa intervenção do poder dominante para o procurar amputar, limitar e liquidar.
A democracia, em Portugal, apresenta-se hoje crescentemente reduzida à sua dimensão meramente formal, bem distante do regime democrático que a Revolução originou e a Constituição de 1976 consagrou. Assim, perguntam os portugueses: participar para quê?
Estas, são as causas, senhores Deputados! E perante este quadro não vale a pena vir chorar lágrimas de crocodilo sobre a abstenção e distanciamento dos cidadãos em relação à política. Porque a verdade é que os partidos que nos têm governado nunca estiveram interessados nessa participação. Pelo contrário!
A Democracia que defendemos, a Democracia que o 25 de Abril consagrou vai muito para lá disto.
Para o PCP, a defesa e concretização dos direitos políticos, económicos, sociais e culturais são inseparáveis de uma alteração em sentido democrático do Estado e das suas funções. Uma alteração que assegure a assunção pelo Estado das funções sociais que lhe cabem, que modernize e desburocratize a administração pública, que combata o tráfico de influências e o comando pelo poder económico das políticas nacionais, que reforce as autonomias regionais e o poder local e concretize a regionalização, que efective os direitos de participação dos trabalhadores e das populações.
Defendemos a democracia política baseada na soberania popular, na eleição dos órgãos do Estado do topo à base, na separação e interdependência dos órgãos de soberania, no pluralismo de opinião e organização política, nas liberdades individuais e colectivas, na intervenção e participação directa dos cidadãos e do povo na vida política e na fiscalização e prestação de contas do exercício do poder;
Defendemos uma democracia económica baseada na subordinação do poder económico ao poder político democrático, na propriedade social dos sectores básicos e estratégicos da economia, bem como dos principais recursos naturais, na planificação democrática da economia, na coexistência de formações económicas diversas, no controlo de gestão e na intervenção e participação efectiva dos trabalhadores na gestão das empresas públicas e de capitais públicos;
Defendemos uma democracia social baseada na garantia efectiva dos direitos dos trabalhadores, no direito ao trabalho e à sua justa remuneração, em dignas condições de vida e de trabalho para todos os cidadãos, e no acesso generalizado e em condições de igualdade aos serviços e benefícios sociais, designadamente no domínio da saúde, ensino, habitação, segurança social, cultura física e desporto e tempos livres;
Defendemos, por fim, uma democracia cultural baseada no efectivo acesso das massas populares à criação e fruição da cultura e na liberdade e apoio à produção cultural.
Temos uma visão muito mais abrangente e integral da democracia. Uma democracia que cultiva a sua própria força e seiva de vida, que é a participação cidadã. E por isso lutamos.
A nossa proposta que aqui apreciamos não pretende, como disse, solucionar todos estes problemas. É simples na sua forma, clara nos seus objectivos e substancial nos seus conteúdos. Mas pretende contribuir para orientar a discussão sobre o sistema democrático. Pretende ser um sinal e, mesmo, um apelo que os poderes públicos desta Região transmitem aos seus cidadãos.
Cremos que a data em que um jovem cumpre 18 anos de vida e assume, finalmente, a plenitude dos direitos e deveres da sua condição de cidadão é um momento solene e que deve ser devidamente assinalado. Um momento de celebração, mas também um momento que deve ser de consciencialização e crescimento enquanto actor activo na esfera social.
Para que o cidadão exerça esse papel é necessário que esteja armado do conhecimento dos textos fundamentais que regem a nossa vida comunitária e esse é o sentido da entrega dos mesmos. Reconhecemos, naturalmente, que há suportes e veículos, porventura mais ligeiros, que também podem contribuir para esse objectivo. Mas cremos que a integralidade dos documentos é a forma própria, solene e objectiva, de os conhecer.
Será talvez apenas um passo numa longa caminhada que o nosso sistema democrático terá de saber dar. Mas estamos firmemente convictos de que é um passo na direcção certa.