
O Deputado do PCP denunciou que o próprio Governo Regional tem vindo paulatinamente a substituir trabalhadores contratados por trabalhadores em programas ocupacionais, que se massificaram também na Administração Regional. E questionou: "É nisto que querem transformar a administração pública? É nisto que querem transformar mesmo os vínculos laborais? Numa massa de trabalhadores – que agora se chamam beneficiários – que “beneficiam” de verem o seu trabalho explorado em troca de nenhuns direitos e de salários miseráveis, a que agora chamam “subsídios”?"
DECLARAÇÃO POLÍTICA DO DEPUTADO ANÍBAL PIRES
SOBRE A UTILIZAÇÃO ABUSIVA DOS PROGRAMAS OCUPACIONAIS
NOS AÇORES
12 de Fevereiro de 2015
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhora e Senhores Membros do Governo,
De acordo com a estimativa do Instituto Nacional de Estatística, no quarto trimestre de 2014, os Açores apresentavam a mais alta taxa de desemprego do país, na ordem dos 15,7%.
São muitos milhares de açorianos que não conseguem um emprego, não por culpa própria, mas em resultado da política de ruína nacional que foi subscrita, apoiada e executada pelo PS, pelo PSD e pelo CDS mas também, e isto é importante, em resultado das opção de classe do Governo Regional, de tentar assegurar os lucros das empresas em vez de apoiar o rendimento das famílias.
Mas se menciono estes números hoje, aqui, é sobretudo para demonstrar como ficam ainda muito aquém da realidade.
Assim, por exemplo, não inclui as centenas, senão milhares, de jovens açorianas e açorianos entre os 25 e os 35 anos que emigram para os quatro cantos do Mundo porque na sua Região têm o presente negado e o futuro adiado.
Mas, também outra situação importante:
Em Dezembro do ano passado existiam, nos Açores, 4929 açorianos inscritos em programas ocupacionais, de acordo com as estatísticas mensais do Instituto do Emprego e da formação Profissional (IEFP). E sabemos que também este número peca por defeito, pois não inclui outras situações como estágios, indisponibilidades temporárias, para além do subemprego e trabalho ilegal, que não estão quantificados.
Mas, senhoras e senhores deputados, atentando apenas aos 4929 trabalhadores em programas ocupacionais este facto, pela sua dimensão, constitui um número extremamente relevante. São quase cinco milhares de açorianas e açorianos que, sem terem emprego, trabalham, e, estando desempregados, não contam para o desemprego.
Na Região como na República, estes programas têm, na ótica dos governantes, uma enorme utilidade estatística: É que contribuem para disfarçar a verdadeira dimensão do flagelo do desemprego e até permitem, a espaços, a emissão de comunicados que celebram, com um disparatado entusiasmo, supostos ganhos de décimas de ponto percentual na taxa de desemprego. Embora, sabemo-lo nós e sabem-no bem as açorianas e os açorianos, isso não tenha representado qualquer recuperação do emprego e atividade económica no nosso arquipélago.
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhora e Senhores Membros do Governo,
Não se pode deixar de reconhecer que, para quem se encontra há muito desempregado e sem perspetivas, será uma sensação positiva encontrar uma ocupação útil. Mas a verdade é que não era um programa ocupacional que procuravam, não era um período de trabalho, breve e não renovável, sem esperança de continuar, sem direitos e – em boa verdade – sem salário, entendido enquanto remuneração justa do trabalho efetuado; apenas um caritativo “subsídio não reembolsável”, por vezes muito abaixo do salário mínimo. Não era isto que buscavam.
O exemplo extremo desta prática exploratória é o Programa Fios, destinado a beneficiários do Rendimento Social de Inserção, a quem é pedido que trabalhem 4 horas por dia, 5 dias por semana, ou seja 80 horas por mês, em troca de um subsídio de... 100 Euros! Uma “generosidade” de 1,25€ à hora! Uma medonha exploração do trabalho alheio, digna do século XIX, ou mesmo de épocas bem mais recuadas!
Porque é que estes trabalhadores, desempregados sem culpa própria, podem ser discriminados desta maneira? Como é que se tornou aceitável este miserável regime de exploração em que o trabalho, Direito Humano Fundamental, passou a ser considerado uma espécie de privilégio, atribuído por caridade a cidadãos necessitados?
Estes açorianos são necessitados, sim, mas de justiça!
São necessitados, sim, mas do direito ao trabalho, à remuneração e a um vínculo laboral estável, como qualquer outro trabalhador!
Estes programas, com graves injustiças em si mesmas, trazem também injustificáveis desigualdades entre trabalhadores que, exercendo as mesmas funções, fazendo o mesmo trabalho, tem condições laborais e salários completamente diferentes. Na prática, viola-se o princípio constitucional do “para trabalho igual, salário igual”, discriminando o trabalhador desempregado que foi colocado numa instituição ou serviço de uma Autarquia ou da Região, ao abrigo de um programa ocupacional.
São as relações de trabalho com que o capital sempre sonhou:
Não há direitos, nem segurança laboral, apenas precariedade e a curto prazo;
Não há trabalho, apenas “ocupação”;
Não há trabalhadores, apenas “beneficiários”;
Não há já sequer salários, apenas “subsídios”!
Um admirável mundo velho que os partidos que nos governam conseguiram desenterrar do passado e impor novamente em Portugal e nos Açores!
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhora e Senhores Membros do Governo,
Quero deixar claro que não pretendemos, de nenhuma forma censurar as instituições que recebem estes trabalhadores, em especial as nossas autarquias e as nossas instituições sem fins lucrativos, vítimas de políticas de garrote financeiro, alvos de um desinvestimento cada vez mais gritante, que as deixou sem meios para responder, muitas vezes, a necessidades básicas de serviço e sem capacidade para contratar os trabalhadores de que precisam ou, no caso dos Municípios e Freguesias, por força do mando dos três da troika em sucessivos Orçamentos de Estado, proibidíssimas de contratar seja quem for. Naturalmente que precisam dos trabalhadores e, para quem não tem por vezes qualquer apoio social, esta exploração negra é melhor do que nada.
O que não se entende, nem se aceita é que estes programas ocupacionais se generalizem e massifiquem na própria Administração Regional que, assim, também ela deixa de contratar trabalhadores, especialmente nas carreiras com mais baixas qualificações, substituindo-os, paulatinamente, por trabalhadores em programas ocupacionais, muitas vezes sem lhes dar qualquer formação profissional.
Dos 5000 trabalhadores da nossa Região nestes programas quantos estão colocados em serviços da Administração Regional?
E quantos deles estão efetivamente a suprir necessidades permanentes do serviço?
E se estão em postos de trabalho permanentes, porque é que não são contratados?
Foram anos, décadas, a fio a repetirem-nos que havia funcionários públicos a mais, que era preciso reduzir o pessoal da Administração mas, afinal, esses trabalhadores fazem falta e os mesmos partidos que se esforçaram para reduzir o número de funcionários públicos, aqui e na República, até os recebem de braços abertos, desde que não tenham direitos nem expectativas.
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhora e Senhores Membros do Governo,
Hoje em dia, nos serviços públicos da nossa Região, temos, na prática, três “classes” de trabalhadores, que até podem estar a trabalhar lado a lado exatamente no mesmo serviço, mas cujas condições e salários são radicalmente diferentes:
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Os que antes tinham vínculo permanente e que transitaram para contrato de trabalho em funções pública sem termo e que, apesar de tudo, conseguiram manter alguns direitos e estabilidade de vínculo laboral;
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Os que entraram depois, com um contrato de trabalho individual em funções públicas mas que é por vezes a prazo, e cujos direitos são reduzidos em relação aos primeiros;
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Por fim, os trabalhadores de programas ocupacionais, sem vínculo e sem quaisquer direitos.
Já ninguém entra para a primeira categoria que mencionei e que vai, a prazo, desaparecer, como o PS e o PSD sempre quiseram.
Agora, com a generalização dos programas ocupacionais, também cada vez menos trabalhadores são contratados para a segunda. E coloca-se a pergunta:
É nisto que querem transformar a administração pública? É nisto que querem transformar mesmo os vínculos laborais? Numa massa de trabalhadores – que agora se chamam beneficiários – que “beneficiam” de verem o seu trabalho explorado em troca de nenhuns direitos e de salários miseráveis, a que agora chamam “subsídios”?
É esse o objetivo desta política, pergunto?
Horta, 12 de Fevereiro de 2015
O Deputado do PCP Açores
Aníbal Pires