Aos 87 anos, deixou-nos um dos mais geniais autores dos países de língua portuguesa. José Saramago, homem apaixonado pela vida e pelo que ela proporciona, permitiu-nos apreciar uma obra magnífica, que lhe valeu o primeiro Prémio Nobel da história da literatura portuguesa, no ano de 1998.
Profundamente humanista, cuja escrita revelava o seu apego aos problemas dos trabalhadores, dos explorados, dos mais fracos e oprimidos, dos que nada tinham, em contraponto com os que tudo tinham e conseguiam, foi o baluarte dos sonhos, das ambições e anseios do nosso povo e de todos os povos que lutam por uma sociedade melhor.
A sua obra, traduzida em várias línguas por todo o mundo e uma das mais vendidas em vários países lusófonos, como o Brasil, teve o condão de dar a conhecer a prosa e a poesia, os romances e as crónicas em língua portuguesa, como já o tinham feito Almeida Garrett Eça de Queiroz ou Fernando Pessoa, em outros tempos.
Militante do PCP desde 1969, Saramago envolveu-se intensamente nas grandes conquistas do 25 de Abril, tendo cedo revelado a sua firme oposição ao fascismo, e o amor aos ideais da liberdade, fraternidade e solidariedade, que caracterizaram fortemente a sua acção e intervenção ao longo da vida, tendo ainda sido um importante e presente construtor da Festa do Avante.
Homem de uma coerência inabalável, que lhe custou algumas inimizades em particular de certos poderes instalados, o escritor de eleição e militante comunista foi serralheiro, activista e jornalista, até se dedicar unicamente à escrita, na qual verteu os sentimentos que, da sua experiência de intelectual, mas primeiramente de trabalhador e de defensor de quem trabalha, lhe permitiu escrever de forma escorreita sobre os grandes temas que abalam a sociedade, mas que, com a mesma importância e proximidade, lhe possibilitou evidenciar a condição dos explorados e dos excluídos, mas também a luta pelo fim da exploração do homem pelo homem.
A sua obra variada e profunda, que atravessou o tema da morte e da sua ausência, da religião e do desconhecido, da ibéria e da poesia e da crítica poética, entre muitos outros, foi ainda imortalizada pela sua reprodução em teatro, cinema e ópera de muito daquilo que por ele foi não apenas reproduzido por via da escrita, mas vivido intensamente pelo escritor e militante comunista que, deixando-nos fisicamente, deixará permanecer o seu exemplo na vida e na obra para o futuro do país e das gerações futuras. É esse, o grande legado de Saramago.
Artigo de opinião de Fernando Marta, publicado no jornal "A União" na sua edição do dia 24 de Junho de 2010