... e a matar mais qualquer coisa ainda (valha a franqueza do entrevistado). Foi isto o que depreendi da entrevista do sr. Presidente da CCIPD, Dr. Mário Fortuna, a um diário regional, no Domingo passado.
O entrevistado acha bem o 3º pacote restritivo anunciado pelo Governo PS (ou “qualquer outro”, como acaba por dizer) porque, em sua opinião: “… é o remédio necessário para que o país retome um percurso sustentável e razoável”. Eu cá por mim, que até nem sou economista, acho que combater o défice com medidas comprometedoras tanto da actividade económica, como da despesa pública em geral, como dos salários ou dos rendimentos mais baixos, apenas permite ao país endividar-se ainda mais e que novas medidas restritivas já tenham de ser programadas para o trimestre seguinte, num ciclo fatal de recessão e instabilidade económica e social.
Confiando na “prudência” das autoridades para esse efeito, o entrevistado defende a protecção da infalibilidade do sistema financeiro (se fosse infalível, para que era a protecção?), o resguardo dos bancos de “eventuais situações críticas”, e a disponibilidade política para serem mobilizados, se necessário, “novos recursos do orçamento público para acolher a estas situações”. Fantástico! Com este raciocínio, ao Estado compete portanto e sobretudo garantir a sustentabilidade das mesmas entidades que foram as causadoras do agravamento abrupto do défice orçamental entre 2008 e 2010, por via de uma injecção colossal de fundos públicos no circuito financeiro. Aquelas que (por traição social dos políticos no poder, estampada no acordo de Maastricht) se apossaram da chave do financiamento dos Estados, com a qual procuram determinar, por cima das instituições democráticas nacionais, as políticas públicas dos respectivos países.
Mas, além da economia, Mário Fortuna mata mais qualquer coisa ainda, quando afirma como “necessárias” medidas que, ao mesmo tempo, considera “injustas”. Num país onde as desigualdades dos rendimentos se têm vindo a acentuar de forma exponencial, o entrevistado mata também a justiça de uma penada, precisamente na altura em que a sua vitalidade se torna mais necessária para presidir a uma adequada redistribuição da riqueza nacional.
A apologia da sustentabilidade, mesmo que à custa de sucessivas injecções do erário público, põe-se de forma bem diferente quando o entrevistado, em lugar do sistema financeiro, aborda o sistema social, da saúde e da educação, pois, em seu entender, estes “estão muito para além das suas capacidades de sustentação”, e nem sequer é correcto “acentuar-se a questão do emprego” ou dos salários! Seria curioso imaginar o que aconteceria ao sistema financeiro se não houvesse pessoas, nem saúde, nem educação, nem trabalho! Mas enfim, há sustentos e sustentos… E a verdade é que, por mais que isso pareça absurdo ao sr. Presidente da CCIPDL, muito mais importante que acorrer aos espirros da indústria financeira, é sustentar o crescimento e evitar um desastre social, económico e político, mantendo e até reforçando mecanismos de protecção social e esforços de educação, viabilizando a descida do desemprego, mesmo no contexto do combate ao défice
Para tal é necessário reduzir despesa pública parasitária, suprimir deduções fiscais e isenções que não gerem emprego, aumentar impostos sobre os altos rendimentos e o luxo, criar taxas sobre as transacções financeiras, regular a circulação de capitais, enfim, todo um conjunto de medidas cuja filosofia não passa pela cabeça nem de Fortuna, nem de Sócrates, nem de Passos Coelho, nem de Cavaco.
Mas que passam e passarão pela cabeça dos muitos inocentes desta crise que entenderem por bem entrar em greve geral no dia 24 de Novembro.
Mário Abrantes