Este cenário tem sido frequentemente utilizado para retratar de forma metafórica a situação do nosso país, e do seu actual governo, perante Bruxelas, o Banco Central Europeu ou o governo alemão.
Mas ficou mais claro, após o anúncio unilateral e repentino de novas medidas de austeridade (o PEC 4) e a forma como se apresentou o (periclitante) primeiro-ministro português, recém-chegado da reunião do Conselho Europeu do passado fim-de-semana, que um tal cenário, se é que alguma vez correspondeu, deixou em definitivo de corresponder à realidade.
O que eu vi e ouvi, não foi um mendigo regressando a casa com uma moeda na mão para enganar a fome, foi antes, à revelia das instituições democráticas e dos órgãos de soberania do país, um impoluto e engravatado mensageiro dos interesses europeus e do sistema “dos mercados” em vigor, informando directamente os cidadãos de que, para sustentar a moeda única e a sofreguidão do capital financeiro internacional, havia sido decretado que os portugueses terão de sofrer mais: Que as suas pensões serão congeladas e terão de pagar (ainda) mais impostos, que as prestações sociais terão de ser (mais) reduzidas, que os desempregados terão de perder (mais), ou ver (mais) diminuído o subsídio de desemprego bem como as indemnizações por despedimento, que as funções sociais do Estado terão de ser (ainda) mais emagrecidas, seja para os transportes, seja para a saúde, seja para a educação, que se irá cortar (mais) nas despesas com as Autonomias, o Poder Local e o investimento público...
O que eu vi e ouvi, foi o interesse falacioso de Portugal (excluindo talvez o dos mega enriquecidos Belmiro, Amorim ou Jerónimo Martins), na boca de um homem, a servir e a sustentar, de facto, o domínio do capital financeiro sobre a democracia e a soberania portuguesas!
Não resta mais qualquer legitimidade representativa e democrática a um governo assim. Um governo que torpedeou ponto a ponto o programa com que se comprometeu perante aqueles que o sufragaram e que abandonou sem escrúpulos as suas responsabilidades perante o país.
Estas medidas, agora anunciadas, correspondem aos desejos (publicamente confirmados) da Banca portuguesa e de Bruxelas, mas só passarão se o país autorizar. E aí estamos todos de acordo, cada um que assuma de que lado está. O povo esse pronunciou-se nas ruas em massa no sábado passado e voltará a fazê-lo esta semana, no dia 19.
E o sr. Presidente da República que se cuide com os seus discursos caducos pois, ao contrário do que afirmou, este povo que está nas ruas, não está com “a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar” mas sim com a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos se opuseram justa e vitoriosamente a ela!
E Passos Coelho que se cuide com a sua ambição de poder, pois se optar, desta vez, por não apoiar o governo PS como fez até aqui, não lhe será fácil fazer engolir aos portugueses a mesma política de privatizações, precarização laboral e austeridade que ele próprio tem apoiado e que inclui essa história (propositadamente) difusa de que quem tem culpa disto tudo é a falta de emagrecimento do Estado e das “reformas estruturais”...
Mário Abrantes