As orientações gerais para a educação de estruturas como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) ou, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) visam, num quadro mais geral de entrega ao sector privado as funções sociais do Estado, a privatização progressiva do ensino superior público, mas as orientações a que nos referimos visam, igualmente, condicionar o acesso e o objecto do ensino superior aos interesses do modelo económico dominante e pretende limitar o acesso a níveis de conhecimento mais elevado aos jovens oriundos das classes mais desfavorecidas. Sabendo-se a importância da educação como instrumento de dominação ideológica e de organização da formação de mão-de-obra com as necessidades do grande capital e, na consequente, reprodução, que aliás se tem vindo a acentuar, da estratificação social e económica das sociedades capitalistas. Sabendo-se também, e não é de somenos importância, que a educação representa um potencial de “negócio” que é mais do dobro do comércio automóvel.
Assim, conhecendo-se o contexto político e económico que deu origem ao Processo de Bolonha e a importância da educação como factor de dominação ou libertação dos indivíduos e dos povos facilmente se compreende a ausência de discussão pública sobre esta “revolução” do ensino superior. Aliás, de outra forma não poderia ser, uma vez que quando uma matéria chega ao Conselho Pedagógico de uma instituição de ensino superior, já vem “decidida” do seu Conselho Científico que “decidiu” daquela forma porque é a “decisão” nacional que, por sua vez, terá sido aquela, e não outra, porque corresponde à directiva europeia a qual “terá” de ser cumprida. Isto é, não existe, apesar dos textos oficiais o referirem insistentemente, lugar para decidir sobre o que quer que seja. A estrutura proposta prevê dois ciclos principais, a licenciatura e o mestrado, e um terceiro ciclo, o doutoramento. A redução da duração das licenciaturas para 3 anos implica, necessariamente, que para a obtenção da mesma formação o aluno tenha de concluir um 2.º ciclo (mestrado) integralmente pago pelo estudante, mesmo no ensino público.
A cada ciclo vão corresponder patamares de acesso ao conhecimento determinados, não pela capacidade intrínseca dos alunos mas, pela capacidade económica que as famílias dos estudantes tenham de suportar os custos de um mestrado e/ou de um doutoramento. A introdução de um sistema de créditos, os European Credit Transfer System (ECTS), apresentado como uma das virtualidades de Bolonha parece-me, também, “gato escondido com o rabo de fora”, senão vejamos. Embora os ECTS constituam um dos instrumentos de harmonização e de reconhecimento de qualificações académicas, será que o “valor” dos ECTS de Oxford é o mesmo dos ECTS da Universidade X ou Y portuguesa? Julgo que não, porque da mesma forma que no mercado financeiro há moedas mais e menos cotadas também no “mercado” da educação haverá ECTS de “valor” diferenciado. A produção científica vai tender a concentrar-se, ainda mais, nos países economicamente dominantes e próximos dos centros de decisão e as formações “menores” remetidas para a periferia a que Portugal pertence. Embora as questões do Processo de Bolonha não se esgotem aqui não vou, para já, dar continuidade a este aliciante, mas também preocupante, tema. Deixo, no entanto, uma questão que julgo ter grande pertinência no actual contexto de alterações ao sistema de ensino superior. Que futuro para a Universidade dos Açores?
Aníbal Pires, IN Expresso das Nove, Ponta Delgada, 06 de Abril de 2006