Portugal sem Abril?

Mário AbrantesQuando se anuncia como bom que os custos do trabalho em Portugal estão a baixar de tal forma que já conseguem atrair investimento externo para o nosso país tão bem como para México ou para a India; que a política que Portugal necessita para combater a crise e satisfazer entidades externas é a política de favorecimento da banca, do capital financeiro e dos grandes grupos económicos, e, simultaneamente, a da austeridade e do empobrecimento para o povo; que para entesourar, visando cumprir compromissos (de validade questionável numa boa parte da sua extensão) é inevitável retirar aos portugueses o direito universal de acesso à saúde; é necessário fechar escolas, aumentar para 30 o número de alunos por turma, e se torna impositivo extinguir freguesias por decreto; que se devem promover cortes generalizados nos abonos sociais, nas pensões e nos rendimentos de subsistência, no preconceito de que, em geral, tais rendimentos constituem injustas regalias e não direitos, porque incidem sobre indigentes e preguiçosos e não sobre pessoas sérias e honestas; que não existe outro caminho, apesar de nunca este ter sido eleitoralmente sancionado, senão o de decidir nas costas de todos e à má-fé cortar reformas antecipadas, cortar salários e subsídios de férias e de Natal para sempre, e preparar despedimentos na administração pública; que, para salvar Portugal, o aumento galopante do desemprego se torna inevitável e não tem forma de ser combatido; que à geração mais nova se impõe o comprometimento do seu futuro, em nome do imaginário futuro das gerações seguintes; que o recurso à emigração não é mais senão a retoma do tradicional fado dos portugueses, etc. etc. etc., vêem-me à memória, os caminhos e as razões de Abril, nesta data em que escrevo...

Fazer Abril em 1974 foi necessário para salvar Portugal de uma ditadura opressiva, violenta e obscurantista que enaltecia a pobreza, enquanto protegia as famílias opulentas e os monopólios (ou oligopólios) económicos a elas ligados, atentava contra a dignidade humana, perseguia, prendia, torturava e assassinava os oposicionistas, proibia os partidos políticos e o voto das mulheres ou dos analfabetos na farsa suas eleições, oprimia os povos das colónias e mantinha uma guerra sem saída contra eles, desde 1961, a qual estava a destruir física e espiritualmente toda a geração jovem de então, contabilizando-se entre os militares portugueses, até ao golpe revolucionário do 25 de Abril, 8.300 mortos e 14.000 deficientes físicos...

Fazer Abril em 1974 foi necessário para salvar Portugal e proporcionar o desenvolvimento, promovendo a emancipação do seu Povo através da instauração da Democracia no conjunto das suas componentes intrínsecas (política, económica, social e cultural). As liberdades, os partidos políticos, os sindicatos, os direitos das mulheres e das minorias, a participação e a co-gestão empresarial, o fim dos latifúndios, a produção e o emprego, mas também a saúde e a educação universais, a habitação, o salário mínimo e as reformas.

Muito embora isso até já aconteça nalguns casos, sem dúvida que, de forma geral, não regressámos, em 2012, ao 24 de Abril de 1974. Mas, agora sob a bandeira da democracia formal e da “bandeira à lapela” do poder político vigente estamos, como dizem os militares de Abril: “a regressar à condição de protetorado, sem capacidade autónoma de decisão, protegendo os privilégios, desvalorizando o trabalho e aumentando a pobreza e a exclusão social. A Constituição Portuguesa está a ser rompida e a dignidade dos portugueses a ser vilipendiada”. Pouco escapa à fúria revanchista, ao ajuste de contas dos novos herdeiros de um Portugal sem Abril.

E, sem Abril, na época atual, Portugal nem é livre, nem é democrático… nem é português.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 27 de Abril de 2012