Uma batalha mais desigual nos Açores

Mário AbrantesÉ inquestionável que a época atual, na zona europeia, se carateriza pelos avanços consecutivos do neoliberalismo económico, assegurando os seus agentes políticos no terreno um predomínio invejável dos interesses do capital financeiro e especulativo sobre os interesses dos povos e nações.
A revolução russa, a declaração universal dos direitos humanos, ou os sistemas democráticos surgidos no pós-guerra, todos eles significaram uma inversão à predominância de um desumano poder económico, colonialista e explorador, que se desenvolvera e instalara na América do Norte e na Europa, na sequência da revolução industrial do início do século XIX.   
Mas hoje, mau grado os crescentes protestos (confirmados e reforçados neste 1º de Maio que passou) face às injustiças, ao desemprego, à pobreza e às desigualdades também crescentes, um programa comum de austeridade vai-se entretanto impondo contranatura país a país, numa batalha desigual desencadeada pela nomenklatura europeia, sob a capa da necessidade de proceder a “reformas estruturais” que estabeleçam, um novo paradigma económico, o qual não passa afinal (a meu ver) da tentativa de restaurar para o velho continente, tal como acontecia antes, a legitimidade do predomínio absoluto do económico sobre o político.
Uma das boas razões para entender o carater desigual desta batalha, na opinião (que partilho) do filósofo holandês Rob Riemen (ao jornal “I” de 23 de Abril), prende-se com o facto de o neoliberalismo ter conseguido criar um sistema de educação e formação que deixou de manifestar interesse pela pessoa, e passou sobretudo a dar primazia ao tipo de profissões de que a economia necessita. Um sistema de educação e formação montado na base do que cada um pode vir a ter e não do que cada um pode vir a ser. Um tal sistema, pelo poder que emana da posse, debilita a capacidade crítica da sociedade, tornando-a, bem como às regras estruturantes e democráticas que a enformam, perigosamente vulneráveis e manipuláveis.
Para além do aumento do desemprego originado pela batalha lançada pelo governo da República (com o apoio do PS, no acordo troikista) em demanda das supracitadas “reformas estruturais”, o fato de 82 % dos desempregados destas ilhas terem habilitações iguais ou inferiores ao 3º ciclo do ensino básico mostra-nos como aquela batalha desencadeada contra o emprego, os salários e os rendimentos de quem trabalha, se torna ainda mais desigual nos Açores que no resto do País e da Europa.
Nesta batalha, a Autonomia Político-Administrativa pode no entanto interferir na desfavorável correlação de forças em presença e funcionar como uma arma estratégica para contrariar a vaga apologista do domínio absoluto do económico sobre o político que também se procura estender aos Açores...
Caso o parlamento regional ficasse composto por uma maioria absoluta dos mesmos partidos coligados na República, a expressão da vontade popular poderia obviamente ser substituída pela maior dependência regional de um poder central invasivo e desrespeitador da Autonomia, mas, como se tem comprovado (e aí estão, por exemplo, os cortes salariais regionais), também a maioria absoluta de outro partido, o PS, pode, ainda que em grau diferente, proporcionar tal dependência. Na conjuntura atual, só a existência de uma maioria relativa, em consequência de uma maior distribuição de votos e deputados pelas diferentes forças concorrentes, tornará o parlamento regional menos dependente do poder central e mais vinculado à vontade popular.
Nesta batalha desigual importa pois aos açorianos, em tempo oportuno e mais do que nunca, usar de fato a Autonomia com a finalidade para a qual ela foi criada, isto é, como uma arma a seu favor...

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado a 2 de maio de 2012