Ecos de uma censura

Mário Abrantes“Portugal está mais próximo de vencer a crise” e “Este é o único caminho para reaver a liberdade e a autonomia do país”, dois chavões que Passos Coelho e o governo PSD/CDS não se cansam de repetir (à boa maneira de Goebels, o ministro da propaganda de Adolf Hitler), convictos de que a mentira tantas vezes repetida se pode transformar em verdade.

Felizmente que a proibição da constituição, ação e intervenção de partidos políticos em Portugal (vigente no regime salazarista) não foi até ao momento restaurada. É que, desde que existam partidos com representação no parlamento dispostos a contrariar certas asserções de certos responsáveis, esse fato permite impedir, ou no mínimo pôr em dúvida, que uma mentira, só porque é repetida vezes sem fim, possa transformar-se em verdade.

Se mais méritos não houvesse na apresentação pelo PCP, na passada segunda-feira, de uma moção de censura ao governo de Passos Coelho, pelo menos, em minha opinião, um houve: o mérito de, na sequência do debate da moção e por diversos momentos, ter ficado claro aos olhos e ouvidos de quem esteve atento, que nenhumas garantias afinal poderiam ser dadas de que Portugal estivesse mais próximo de “vencer a crise”, e de que, por “este caminho”, afinal ninguém conseguiu demonstrar que o país poderá algum dia reaver a sua “liberdade e autonomia”…

Dizia-se na moção: “O projeto de regressão económica e social e de amputação da soberania aplicado pelo governo PSD/CDS está a destruir o país. É um programa que tudo agrava e nada resolve.” Pois bem, para além de muitos ataques com cartas de fora do baralho por parte do PSD, do CDS e também do PS, à moção de censura e ao partido que a apresentou, os debates vieram demonstrar que a derrapagem do défice para 2012 e o crescimento da dívida pública já aí estão (obviamente, diria eu), em consequência dos números da exaustão fiscal (apesar dos aumentos de impostos, a receita fiscal baixou), dos números do desemprego ou dos cortes nos salários e pensões (diminuição da riqueza criada, do consumo, e aumento da despesa pública inerente), da entrada do país em espiral de recessão (paragem da economia) e dos juros da dívida (incomportáveis). Ou seja, a pretexto de alcançar a meta acordada com a troika da redução do défice público e de “honrar” os compromissos da dívida soberana, o “caminho” que está a ser seguido e os decorrentes sacrifícios impostos à esmagadora maioria do povo português conduziram, ao fim de um ano, precisamente ao inverso do que se pretendia, tornando ainda mais longínquos o fim da crise, bem como o resgate da “liberdade e autonomia do país”, e prenunciando a imposição próxima aos portugueses de ainda mais sacrifícios e medidas restritivas.

Entretanto e apesar destas evidências, o PS, pela voz do antigo ministro Silva Pereira, incapaz de fugir ao novelo de compromissos em que se enredou com o diretório das grandes potências e a finança nacional e internacional, prescindiu da censura e preferiu a abstenção, validando mais uma vez com isso “o caminho” do governo de Passos Coelho, caminho este que aliás já tinha sido iniciado, como é por muitos reconhecido, pelo seu anterior primeiro-ministro...
E já que, por este “caminho”, por mais que não o admitam, a pouco e pouco se vai tornando incontornável a renegociação da dívida pública, Paulo Portas, pelo seu lado, não tardará certamente a ver-se obrigado a olhar para o espelho e a engolir frases levianas como a de que, “se Portugal seguisse a alternativa proposta pelo PCP acabaria a bater à porta do FMI ainda mais pobre”. De fato, como diz o ditado, é muito mais fácil ver o argueiro no olho do vizinho, que a tranca no seu próprio…

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 28 de junho de 2012