Estar com Deus e com o Diabo?

jos_decq_mota_webEscolhi, propositadamente, este título insólito porque gostaria de captar a atenção dos eventuais leitores para as palavras que se seguem, dada a importância que atribuo ao tema que procuro tratar.

Todos sabemos, vemos e sentimos que o País está a ser friamente levado para o abismo pela política feita pelo governo e deputados do PSD e CDS, até agora com a total cumplicidade do Presidente da Republica. Essa política, que pouco tem a ver com as promessas e compromissos eleitorais de todos eles, é inspirada pelo memorando da troica, e, alegadamente, visa “consolidar as contas públicas”. Entretanto, verifica-se que a divida pública continua a crescer, que o défice só desce um pouco à custa da extorsão dos parcos rendimentos de quem trabalha e à custa de cortes brutais nos serviços sociais essenciais e ainda à custa da venda, mais ou memos ao desbarato, de grande parte do nosso valioso património colectivo. Esta desgraçada política está a impor brutais reduções salariais, está a gerar todos os dias milhares de desempregados, está a traduzir-se em drásticas diminuições nos apoios sociais, está a aumentar brutalmente a pobreza, está a destruir milhares de empresas, está a paralisar a economia e a desmoralizar o País. A par de tudo isto, as grandes fortunas não param de crescer e, fundamentalmente, os chamados mercados financeiros não param de funcionar como verdadeiros aspiradores dos recursos do País e dos cidadãos.

Não é preciso ser “um iluminado” para perceber que este louco mecanismo de domínio dos povos, concebido pelo grande capital financeiro internacional e executado pelos dirigentes políticos a ele vendidos e voluntariamente submissos, tem que ser travado com a maior rapidez possível.  É obvio que todos os que se propuserem a trabalhar para isso, têm que pôr de parte a política que resulta do memorando da troica, têm que apostar no desenvolvimento da economia, no crescimento do mercado interno, na reposição e reforço do poder de compra médio, na criação de emprego, na mobilização de vontades e na defesa da existência do próprio País enquanto entidade soberana. É óbvio que todos os forem defensores da democracia e todos os que forem, num sentido democrático, patriotas, não só podem, como devem trabalhar para que se verifique uma verdadeira ruptura coma política da troica, do PSD, do CDS e do PR. Quanto à divida publica tem que se alargar prazos de pagamento, tem que se anular os juros agiotas e ilegítimos e tem, tal como já aconteceu com outros países, anular a parte da divida que resulta só da especulação. Quanto à União Europeia e à zona Euro, ou se caminha para uma Europa de países soberanos e a moeda tem que ter o peso adequado a essa situação, ou caminhamos para um domínio total da economia forte sobre as restantes e isso os povos não vão aceitar no século XXI, como não aceitaram no século XX.

No passado fim-de-semana, o XIX Congresso do PCP, reunido em Almada, fez este diagnóstico e propôs uma alternativa que passa pela criação das condições democráticas e de participação que possam levar à formação de um de um governo que faça uma política patriótica e de esquerda. Defendeu que esse objectivo só é realizável com uma enorme convergência de vontades e com a participação de todas as forças sociais e políticas que queiram romper com a política da troica. Dito isto, apareceram, às dezenas, os defensores desta política extremista de direita, disfarçados de comentadores ou vestidos com o novíssimo fato de “politólogo”, a acusar o PCP de estar a repetir a cassete, de estar a pôr de lado o PS, de estar a ignorar o BE, de estar a propor o impossível, de querer hegemonizar a sociedade!

Esses políticos/comentadores têm medo que se pelam da possibilidade, que a História documenta abundantemente, das transformações que a luta introduz no comportamento da sociedade. Existe hoje uma enorme indignação, um vastíssimo descontentamento, uma crescente revolta e é possível e indispensável transformar esses profundos sentimentos em força de transformação política. Mas como não se pode estar, ao mesmo tempo, com o bem e com o mal, há que optar.

É esse o problema que se coloca à sociedade, que tem que saber exigir de todos os interventores que se reclamam do patriotismo, da democracia e da justiça social, que tomem a opção certa.



Artigo de opinião de José Decq Mota, publicado em 9 de dezembro de 2012