O nosso transporte marítimo

jos_decq_mota_webEste inverno está a ser rigoroso e a chuva, o vento e o mar alteroso têm sido companhias muito frequentes, marcantes e definidoras do nosso quotidiano insular.

O mar alteroso, quando é assim frequente, condiciona e introduz sobressaltos no transporte marítimo que temos que usar. Estou a escrever estas linhas no Faial e é sabido que as ligações com o Pico são essenciais e são por via marítima e que as ligações com S. Jorge, embora mais recentes, são necessárias e são predominantemente feitas por mar.

No quadro deste inverno rigoroso tem havido cancelamentos de vagens marítimas para S. Jorge e tem havido, a par de cancelamentos pontuais, viagens muito difíceis para a Madalena, especialmente no que toca à entrada e saída desse porto, quando há mar do Norte alteroso.
A passada 6ª feira, dia 8 de Março, foi um desses dias de muito mar, com vagas alterosas, anunciadas pela Meteorologia como tendo 9 metros, que cobriam de branco quase toda a costa do Pico vista do Faial, que transformavam a entrada no porto da Madalena num quarto de milha difícil de passar. O “Cruzeiro do Canal” lá fez algumas das viagens do dia, assegurando esta ligação vital entre estas duas ilhas, mas a entrada e saída da Madalena, nesse dia, criou imagens fotográficas ou em vídeo que inundaram o facebook e circularam, por muitas formas, na internet.

Este tipo de situação, frequente em invernos rigorosos como o deste ano, motiva-me a fazer algumas reflexões que quero partilhar com quem as queira ler.
A primeira reflexão vai para os “Cruzeiros”, pequenos navios já a caminho dos trinta anos, que nada devem à beleza, mas que se revelaram excepcionais nas suas aptidões náuticas, com uma enorme capacidade de “aguentar” mar frontal, com uma boa capacidade de se “segurar” com mar pela ré e com grande capacidade de suportar vaga lateral. Por estas razões os “Cruzeiros” mostraram uma muito boa capacidade de entrar e sair na Madalena com mar do Norte, sendo no entanto de lamentar que, ao longo da sua vida útil, não tenham sido instalados propulsores de proa, que facilitariam a manobra de virar no interior do porto, com ventos rijos.

A partir de 1986 os “Cruzeiros” asseguraram um tráfego que tem sempre crescido e fizeram-no com uma taxa geral de cancelamentos por viagem muito baixa e com uma taxa de cancelamento por dia completo (todas as viagens de um dia) ainda bem mais baixa. Isto demonstra que estes pequenos navios, tripulados por marítimos muito competentes, têm assegurado um bom serviço, com um elevadíssimo índice de segurança e oferecendo uma resposta correcta à procura crescente e às emergências resultantes da necessidade de evacuações por doença.

A segunda reflexão vai para o tempo que vem a seguir e que nos vai trazer uma nova geração de pequenos ferries, aptos a transportar passageiros e viaturas e concebidos para operar na Horta, Madalena e Velas. Serão navios maiores que os “Cruzeiros”, com dimensões, no que toca ao comprimento, boca e calado, adequadas a estes portos, com meios auxiliares de manobra bem mais modernos e com mais cinco nós de velocidade de operação que os “Cruzeiros”. Este modelo de navio corresponde a uma necessidade óbvia deste tráfego entre estas ilhas de S. Jorge, Pico e Faial, pois sendo introduzida a deslocação diária, fácil e acessível de viaturas, irá haver uma aproximação muito grande destas economias locais e de toda a vivência social.

A questão que, na minha mente, subsiste, é a de saber se estes novos navios terão, ou não, a mesma capacidade de operar com mar do Norte alteroso, no quarto de milha que, do Norte do Ilhéu em Pé até ao Farol define a entrada no porto da Madalena. Em caso afirmativo, não haverá nenhum problema novo, restando talvez à Autoridade Marítima definir critérios objectivos para fechamento dos portos, com a finalidade de evitar eventuais exageros ou imprudências. Em caso negativo, ou seja, no caso dos novos navios terem condições de operação com mar frontal ou pela ré, menores que os “Cruzeiros”, a taxa de cancelamento da operação com esses navios aumentará, o que num inverno rigoroso como o deste ano, pode gerar um problema sério.

Assim sendo será prudente iniciar a operação dos novos ferries, sem retirar ambos os “Cruzeiros” ao mesmo tempo, pois se é muito bom que tenhamos durante quase todo o ano transporte de passageiros e viaturas, é essencial que tenhamos sempre e com poucos cancelamentos, transporte de passageiros.

Depois dessa observação, quem de direito terá de decidir se os ferries chegam, ou se é necessário complementar a nova frota com outra embarcação que garanta a operacionalidade essencial das linhas que têm que ser asseguradas.

 

Artigo de opinião de José Decq Mota, publicado em 12 de Março de 2013