Sem qualquer tipo de desconsideração por outros homens sérios e lutadores pela vida, de arquitectura erecta de espírito, uma palavra especial merece um político, de quem se comemora este ano o centenário do nascimento, a quem estes atributos cabem por inteiro e que nunca pertenceu àquilo a que muitos hoje chamam de "classe política". Um homem perante o qual nenhum amigo (ou inimigo) se atreveria a encarar como fazendo parte do universo decadente daqueles políticos que são todos iguais, todos mentirosos, que não cumprem as promessas e que, na sua vida e carreira institucional, providenciam mais o seu que o destino da colectividade onde estão inseridos, esses sim, na sua maioria apresentando tantas semelhanças ao nível do comportamento político que, independentemente de estarem no PSD, no CDS ou no PS (estou-me a referir só a estes porque só estes têm ocupado e se servido do poder nos últimos trinta anos), até se parecem com uma classe à parte a quem muitos identificam de forma simplista como "classe política".
Porque a política (indispensável e inalienável da vida de cada um, mesmo que a rejeite depreciativamente por palavras) não é património de uma elite classista onde pontificam os que a conspurcam quotidianamente, conspurcando em simultâneo o regime democrático e de liberdades que nos devem reger, mas antes o fermento necessário ao desenvolvimento da sociedade no sentido mais justo e humano, isto é, no sentido dos interesses da esmagadora maioria dos cidadãos, não é palavra vã afirmar-se que o contributo de Álvaro Cunhal (pois é dele a quem me tenho vindo a referir) para a Democracia Portuguesa foi notável e a ela o seu nome permanecerá incontornavelmente ligado. Na exacta medida em que se dedicou por inteiro e por toda a vida à luta pela justiça, pela democracia (não apenas política, mas também económica, social e cultural) e pela liberdade, assim foi ele próprio um homem livre (não apenas pensador, mas também de acção) que, homenageado por milhares e milhares no funeral, morreu apesar de tudo com simplicidade e, creio sinceramente, de consciência tranquila.
Tal como alguns outros, Álvaro Cunhal dignificou durante toda a sua vida a acção política, ficando com ele para a posteridade também a esperança de que é possível, mesmo por mais difíceis que sejam as actuais circunstâncias, transformar a realidade em que vivemos num sentido mais justo e humano. E se é certo, como constatámos, que Álvaro Cunhal não estava ligado à "classe política", estava ligado no entanto e firmemente a uma "política de classe". A política que o Partido a que pertenceu desde os 17 anos e que, na passada semana completou 92 anos de existência (no dia 6 de Março) defendia, defende e defenderá: a da classe trabalhadora e dos seus aliados, tanto no mundo da agricultura como no mundo dos micro, pequenos e médios empresários. A política da produção e do desenvolvimento complementar ao humanismo, à justiça social e à equilibrada repartição dos rendimentos.
Os partidos existem exactamente porque representam opções políticas diferentes. Quando essas diferenças se esbatem, como aconteceu nos últimos trinta anos com o PS o PSD e o CDS, e são preteridas pelas diferenças entre pessoas em busca do poder, para, depois desse poder conquistado, praticarem políticas semelhantes e erradas, como o próprio António Costa (PS) reconheceu no programa "Quadratura do Círculo" de domingo passado, então estamos perante a "classe política" em todo o seu esplendor e oportunismo, a defender uma só política mas que afinal também é de "classe", da classe dos grandes capitalistas e dos grandes grupos financeiros que dominam actualmente a União Europeia, contra a outra "classe" que Álvaro Cunhal e o seu partido sempre defenderam e continuarão a defender.
Nada mais vantajoso para a política da actual classe dominante e mais perigoso portanto para a defesa da classe trabalhadora, dos menos possidentes e da própria Democracia, que cair no simplismo de afirmar que os políticos ou os partidos são todos iguais, que querem todos os mesmo e o melhor que há a fazer é simplesmente não votar em nenhum...
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 14 de março de 2013