Quem está a mais? O governo ou o país?

mario_abrantesSe o Presidente da República e outras instituições mandam para fiscalização do Tribunal Constitucional determinadas medidas orçamentais, decretadas para 2013 pelo governo da República, porque as consideram passíveis de inconstitucionalidade, estão, penso que responsavelmente, a pedir ao Tribunal Constitucional que, no âmbito das suas competências, cumpra as suas funções e se pronuncie sobre elas, não é verdade?

E o que fez o TC? Cumpriu as suas obrigações e pronunciou-se…

É portanto totalmente condenável a atitude de estupefacção, de crítica, e sobretudo de inusitado alarmismo provocado em todo o país e repercutido na União Europeia pelo governo PSD/CDS, perante o juízo constitucional emitido pelo TC e as deliberações nele contidas, em particular no respeitante ao princípio constitucional da igualdade, só porque o vinculativo respeito por esta última poderá originar um “buraco” de 1milhão e 300 mil euros, antes, pelos vistos ilegitimamente orçamentados. Estamos perante um governo que em lugar de rectificar as suas orientações ilegítimas, se apresenta sem rumo e responde com o descontrolo e o bloqueio da máquina do estado (veja-se o que fez o incompetente e autoritário ministro das finanças), apenas porque a igualdade implica repensar despesas no valor de somente mais duzentos mil euros do que a quantia entregue por este mesmo governo há cerca de um mês ao BANIF. E a isso já ninguém chamou de “buraco” (sendo-o de facto), nem tão pouco, com isso, vislumbrou qualquer perigo para o ajustamento orçamental…

Quem manda fazer estudos desacreditados para minar a opinião pública com a ideia divisionista de que os funcionários públicos são mais privilegiados que os do sector privado, o que, nos tempos que correm, não acontece na maioria das categorias profissionais equiparáveis (como estudos sérios o indicam), também está pronto para utilizar sem escrúpulos as decisões soberanas do TC, dramatizando-as, como pretexto para se desresponsabilizar da política desastrosa e anticonstitucional que, ao serviço de interesses alheios a Portugal e aos portugueses, tem desenvolvido e se propõe continuar a desenvolver, criando um buraco orçamental crescente que, só em juros, vai chegar aos sete mil milhões em 2013. E a isto (sendo-o de facto) ninguém ligado ao poder chama “buraco”, nem disto faz alarme...

Se calhar foi o TC que em três anos de troika e de governo PSD/CDS criou mais 400.000 desempregados oficiais e se esqueceu de taxar dividendos que dariam para suplantar o dito “buraco” da decisão constitucional; que, justificando com a redução do défice a austeridade contínua praticada, falhou todas previsões com respeito à projetada redução e aumentou a dívida pública em mais 30%; que, junto com os salários, fez cair o consumo privado em quase 60% e o investimento público em quase 80%; que está sem beliscar as PPP, as rendas excessivas e as transacções financeiras, provocando desigualdades em cima de desigualdades, o sobre enriquecimento de uns quantos e o empobrecimento de milhões.

E face a todo este cenário de ilegitimidade e instabilidade governativas, o Presidente da República manda a Constituição às malvas, e dá plena confiança a quem não a tenciona cumprir. O governo e o presidente colocam o país sob a chantagem da troika e da U. Europeia (que se diz orientada por princípios democráticos), utilizando de forma vil o falso pretexto da decisão do TC para conseguirem acrescentar mais depressa outra reforçada dose de austeridade que afinal já antes estava combinada entre eles.

Está na hora de enfrentar a troika e assumir Portugal. E vai ficando mais claro para todos que só com outra política e outro governo isto será possível.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 10 de abril de 2013