Custo zero

anibal_pires.jpgNão é a primeira vez, nem será a última que neste e noutros espaços de reflexão trago ao espaço público as questões das migrações e dos migrantes e das políticas que, no contexto nacional, no contexto europeu e no contexto global as enquadram.
Ao ouvir os ministros António Costa e Silva Pereira, o ex-comissário europeu António Vitorino e o actual, Franco Frattini, dissertarem sobre as políticas nacionais e europeias para a imigração somos levados, em primeira instância, a concordar. E a generalidade dos cidadãos, mesmo alguns dirigentes do movimento associativo imigrante, subscrevem e aplaudem o discurso público. Os pilares que dão sustentação às políticas de imigração, enunciadas pelos responsáveis nacionais e europeu, identificam e reconhecem as causas que estão na origem das modernas migrações e as soluções propostas ajustam-se, pelo menos aparentemente, à gestão dos fluxos, ao acolhimento e à integração dos imigrantes. Não é fácil a desconstrução do envolvente discurso oficial que responsabiliza as profundas assimetrias de desenvolvimento pelo êxodo Sul-Norte como a principal causa da imigração “ilegal” ou de desespero como prefiro designá-la e reconhece e disponibiliza a solução: a globalização da convergência social e económica. Ou seja, só um desenvolvimento globalmente equilibrado que proporcione as necessárias condições de dignidade humana pode contribuir para que os cidadãos deixem de arriscar a vida no “salto” do muro da fronteira sul dos Estados Unidos, na travessia do estreito de Gibraltar ou na imensidão oceânica do Atlântico.
 
Não posso estar mais de acordo! Mas se o que acabo de dizer é verdade, não o é menos o comprovado facto de que o modelo de crescimento económico dos países mais desenvolvidos se alimentou e alimenta, não só das matérias-primas dos países menos desenvolvidos, mas também e, quiçá sobretudo, da mão-de-obra que, se do século XV ao século XIX foi movimentada compulsivamente, hoje chega às praias do sul da Europa ou “salta” os muros das fronteiras dos Estados Unidos e chega aos empregadores a custo zero. Os empregadores, de hoje, já não são os “Roceiros” ou os donos dos “Engenhos” que compravam no porto de “acolhimento” a mão-de-obra aos negreiros. Os empregadores de hoje são os donos da modernidade (ou pós-modernidade) do betão, do asfalto e dos prostíbulos a quem a mão-de-obra bate à porta a custo zero. A manutenção, na proposta (do governo) da nova lei da “imigração”, da contingentação (regime de quotas) depois de ter sido reconhecido o seu total falhanço e o contínuo alheamento da resolução da situação dos imigrantes irregulares, a proposta a que me referi pauta-se por ignorar esses cidadãos, ilustram quão diferente é o discurso da prática. Ignorar que em Portugal haverá entre 150 a 200 mil cidadãos estrangeiros sem títulos que os habilitem legalmente a trabalhar e a residir ou, insistir na falácia das quotas reconhecido, pelo próprio governo, como tendo sido um fracasso não corresponde aos princípios enunciados pelos responsáveis políticos.
 
Aníbal Pires, In A União, 27 de Novembro de 2006