Um outro muro de Berlim será derrubado

mario_abrantes"Tudo o que se dizia e que temíamos do comunismo – que perderíamos as nossas casas; que nos retirariam as nossas poupanças; que nos obrigariam a trabalhar eternamente por escassos salários; que ficaríamos sem ter voz para contestar o sistema – converteu-se em realidade sob o sistema capitalista" (Jeff Sparrow, escritor australiano).

Ironia da história, à qual eu acrescentaria que, em Portugal sob o salazarismo, os mais primários anti-comunistas costumavam assustar as pessoas analfabetas e de fraca formação, ou forçar as crianças a comer a sopa, ameaçando que "na Rússia os comunistas matavam os velhinhos com uma injeção atrás da orelha ou que comiam criancinhas ao pequeno-almoço...". Sendo certo que se tratavam de tolices sem sentido, elas começaram, sob a batuta do neo-liberalismo dominante, a ter alguma infeliz semelhança com a realidade quando se retiraram e retiram sucessivas condições de sobrevivência aos mais idosos ou se condenam cada vez mais crianças a atravessar situações de carência alimentar ou de fome continuadas.

Mas as semelhanças entre os atributos do vocabulário anti-comunista e a realidade com a qual o capitalismo nos confronta hoje não se ficam por aqui nem preciso de ser eu a continuar a estabelecê-las. Freitas do Amaral, um insuspeito antigo dirigente do CDS, afirmou no princípio desta semana em entrevista à Lusa que, a continuarmos assim, "caminhamos para uma ditadura"...

Na Alemanha, derruba-se um muro em 1989 em nome da liberdade, da prosperidade e da melhoria das condições de vida das pessoas, mas a triste realidade veio mostrando desde essa data que, tanto de um lado como do outro do antigo muro, as injustiças e as desigualdades aumentaram, e o desemprego e o empobrecimento (até a guerra ressurgiu) alastraram desde então por toda a Europa.

As preocupações teóricas sociais subjacentes e justificativas da reunificação e alargamento da chamada construção europeia, afinal transformaram-se em práticas de ditadura dos mercados e em predomínio ilegítimo do poder económico sobre o poder político nos estados-membros da UE. Constituiu-se um diretório dominante no qual pontifica em primeiro lugar a mesma Alemanha onde o muro foi derrubado. Para lá de tal diretório reserva-se aos outros estados-membros a condição neocolonial da subserviência política com vista ao desmantelamento das suas estruturas produtivas (de que foi principal agente em Portugal, enquanto primeiro-ministro, o atual ocupante do cargo da presidência da República) e das atribuições sociais do Estado no seu seio (que começaram de forma continuada com o governo Sócrates e de que está sendo o principal agente, à sombra protetora da presidência da República, o governo de Passos Coelho e Paulo Portas).

Nenhum comunista portanto está a fazer o que aos comunistas se dizia estar reservado. Mas o que aos comunistas se dizia estar reservado, está apesar de tudo a ser feito. A proposta de Orçamento de Estado para 2014 assusta qualquer criancinha ou idoso, mas é real e foi concebida por quem nada tem de comunista, sequer de humanista. Foi concebida pelo capitalismo neo-liberal dominante na Europa e é para ser executado pelos seus agentes em Portugal.

O direito à felicidade, à liberdade, à segurança e a uma vida digna exigem que um outro Muro de Berlim venha a ser derrubado. E sê-lo-á, de preferência mais cedo que tarde, em nome da vida...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 30 de outubro de 2013