Preto no branco

mario_abrantesApesar dos incomensuráveis sacrifícios a que a esmagadora maioria dos portugueses foi e continua a ser submetida em 2013, onde se destaca, de entre muitos outros, pela sua dimensão, o aumento dos impostos, em particular do IRS, tudo em nome da necessidade “incontornável” do cumprimento da meta do défice orçamental definida pela troika estrangeira e acertada com o governo vende-pátrias de Passos Coelho e Paulo Portas, a meta não foi cumprida! O défice “incontornável” combinado entre os algozes deste martirizado povo foi de 5,5%, mas o défice previsto situar-se-á entre 5,8 e 5,9%.

E o que diz a troika estrangeira a este falhanço? Diz, pasmem queridos leitores, que “não se incomoda”! Repito: “não se incomoda”!

Mas então andamos todos a brincar aos sacrifícios e ao aumento dos impostos por causa do limite máximo do défice público, e das imposições de Bruxelas nesse sentido, e afinal Bruxelas não se incomoda com o falhanço…porque a diferença se deveu à recapitalização do Banif. Porque o excedente do défice foi para entregar a um Banco uma quantia retirada do tesouro público equivalente a 0,4% do PIB nacional!

Portanto, tratando-se de entregar dinheiro público à banca privada, Bruxelas e o FMI deixam de ficar aflitos com o incumprimento das metas por eles impostas, mesmo que isso tenha significado sacrifícios adicionais e impiedosos aumentos de impostos sobre o povo.

E de seguida, em lugar de emendar a mão (tal como a ameaça de eleições antecipadas que o atual governo grego atirou à cara da troika quando esta pretendia impor mais cortes), aí está, assinado pelo governo da República, mais um contrato “incontornável”, que implica novos cortes nos rendimentos dos portugueses, para em 2014 garantir a meta de 4% do défice público. Acumulando ao desmesurado leque de sacrifícios que vem sendo imposto de há 3 anos a esta parte, sem nenhuma outra finalidade objetiva que não seja o cumprimento de contratos assumidos pelo governo português, através da troika, com os credores nacionais e internacionais da dívida em crescendo, aí está do lado de dentro de casa um sem número de contratos, principalmente com salários e pensões da administração pública e com pensões de sobrevivência que, esses sim, podem ser (mesmo inconstitucionalmente) rasgados pelo governo Coelho/Portas. E se não forem, lá está a ameaça do segundo resgate à porta, como se o “programa cautelar” que o mesmo governo quer negociar com a troika não fosse já algo de equivalente…

Para cumprir uns, que só a acumulação bancária permite violar, rasgam-se outros para pagar juros da dívida à banca e à finança, os quais em 2014 já atingem montantes superiores a 1/3 das despesas com a Administração Pública (mais de sete mil milhões de euros).

Em resumo: Neste momento em Portugal, pela mão de um governo vende-pátrias e com a orientação de Bruxelas e do FMI, todo o contrato é violável e toda a pobreza social é cultivável, desde que daí resulte transferência e acumulação de capital em mãos de banqueiros, agiotas e grupos financeiros.

E essas transações parecem ser de tal modo urgentes (?) que deparamos com um Presidente da República estranhamente disponível para, em lugar de precaver os seus efeitos nefastos no Orçamento de Estado, fechar os olhos com tanta mais força quanto mais inconstitucionalidades elas transportem no ventre.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 23 de outubro de 2013