40 anos

mario_abrantesA geração que viveu a revolução de 1974 "Não soube politizar os seus filhos...Eu não aprendi na escola como é o nosso sistema de segurança social e o sistema fiscal. O que é a diferença entre esquerda e direita...Se as pessoas têm medo de falar de política em casa, não podem estar à espera que os filhos vão para as manifestações...Eles não sabem história..." Assim tenta explicar Capicua, uma rapper portuguesa, a aparente passividade da geração nascida depois de Abril perante a negra situação que se vive no país.

Diria que para além de eventuais culpas da geração de Abril, existe a própria realidade de hoje a condicionar a politização dos seus filhos.

A história é importante e não se ensina, a escola é importante e não explica, os pais têm medo de falar de política e deveriam fazê-lo, aliás como o fizeram pelos vistos os pais de Capicua e todos aqueles a quem o 25 de Abril não passou simplesmente ao lado. Mas mesmo que se ensinasse a história e se explicasse as coisas na escola e em casa, faltaria sempre a realidade determinante de hoje e aquilo em que ela se distingue da de ontem, a obrigar a uma aprendizagem comum, tanto dos pais como dos filhos, para que possa ser enfrentada de forma interventiva por ambos...

A geração de Abril não tinha a história (salvo a dos manuais oficiais) para aprender, e em casa ou no trabalho era expressamente proibido falar de política, contudo derrubou a ditadura. Como o conseguiu? Porque teve a guerra colonial, a polícia política e o fascismo como fontes de aprendizagem.

Depois da revolução, com a liberdade e a democracia, veio também a paz, o pão, a educação a saúde e a justiça, mas a geração de Abril não estava suficientemente politizada para se defender daqueles que logo no dia 26, de cravo ao peito e gritando vivas ao socialismo, já conjeturavam sobre as formas de sabotar as conquistas históricas do povo português e de resgatar o domínio político perdido. E foi todo esse percurso, atravessando as etapas marcantes da adesão à UE e ao euro, prosseguido até hoje com a ajuda externa, que nos reconduziu de novo à exploração, à pobreza, miséria e desemprego, e que de novo faz dos mais ricos ainda mais ricos, ou, como foi recentemente noticiado, consegue que 60% das empresas cotadas na bolsa em Portugal mantenham ligações políticas com os partidos que têm exercido o poder.

Com honrosas exceções, faltou à geração de Abril assimilar um saber que, exactamente por isso, nunca poderia transmitir aos filhos. É que liberdade e democracia com paz, pão, saúde, educação e justiça não combinam com o grande capital nem com o condomínio do poder económico e do poder político.

Além disso, este último conseguiu pela sua própria prática de promiscuidade entre o interesse público e privado, ou pelo uso frequente dos cargos políticos para benefício de grandes grupos e veículo de transição para cargos privados altamente remunerados, que os cidadãos das novas gerações se desmotivem da actividade política e vejam um corrupto em cada interventor político, qualquer que ele seja e pertença a que partido pertencer.

Falta poIs às novas gerações assimilar que, ao contrário de repudiá-la, só pela intervenção política sistemática (também partidária, institucional e governativa) contra o neo-liberalismo capitalista, corporizado pela acção dos partidos que têm estado no poder nas últimas décadas, é possível inverter o atual rumo do país. Como suporte de aprendizagem, aí está o desemprego massivo, o agravamento das injustiças sociais, o empobrecimento e a emigração compaginados com a captura da independência política pela banca internacional e a ausência de perspectivas de futuro que o presente oferece...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 6 de março de 2013