Os partidos parlamentares que têm estado a governar a democracia estão, como afirmou recentemente o jornalista inglês John Pilger à BBC, "votados à doutrina de cuidar dos ricos e combater os pobres".
"Em lugar das corporações através do Estado terem obrigação de responder perante o povo, é o povo que deve submeter-se e responder a um Estado corporativo". Para o jornalista, esta negação da democracia real "constitui uma mudança histórica."
De facto constata-se em muitas das chamadas democracias europeias que o poder legislativo resultante de eleições democráticas se encontra cada vez mais alienado a corporações representativas de interesses económicos e financeiros (interesses de classe portanto vestindo a capa do interesse geral) em substituição das velhas corporações da indústria e profissionais que sustentavam o regime fascista italiano e em que se inspirou o regime fascista português.
Como foi possível à Democracia absorver este novo corporativismo através de eleições, já que o mesmo sempre sobreviveu antes, necessitando do recurso às ditaduras?
Simplesmente porque os partidos parlamentares que têm ascendido ao poder por maioria eleitoral (PS, PSD, CDS) se foram corrompendo e coabitam hoje com a visão minimalista da Democracia onde apenas sobrevive o direito de voto e a liberdade formal de expressão, renegando com cada vez maior desfaçatez o caráter social, económico, cultural e ambiental, bem como o caráter participativo, que constituem as restantes componentes basilares da Democracia, e se entregam de corpo inteiro às corporações financeiras e à tarefa prioritária (a que chamam de único caminho possível) de "cuidar dos ricos e combater os pobres"...
E aí está o presidente eleito de uma Democracia a insinuar que os jovens são calões e deviam ir cavar terra em vez de emigrar, ou que o empobrecimento e as dificuldades a suportar pela maioria estão para durar mais 20 anos. Aí está um ministro a dizer que as pessoas estão mal mas o país está bem. Aí está um outro ministro a cortar nos medicamentos para os doentes cancerosos. Aí está um capitalista financeiro, dos mais ricos entre os ricos, a dizer que os trabalhadores produzem pouco e por isso merecem salários baixos, enquanto um outro da mesma estirpe vê perdoada uma multa de um milhão de euros. Aí estão à solta uma série de outros que defraudaram o Estado em 8 mil milhões de euros enquanto o primeiro-ministro da Democracia diz que os cortes nos salários e nas pensões, mesmo inconstitucionais, vão deixar de ser provisórios para passarem a definitivos.
Só é possível vislumbrar o fim da coexistência de um tal pântano político com o arremedo a que chegou a Democracia, ou procurar uma solução diferente daquela que impõe aos portugueses continuarem por mais 20 anos a passar dor e sofrimento, se a maioria parlamentar que governa o país perder uma boa parte da confiança que lhe deram os governados em atos eleitorais passados.
Na linha da sensatez daqueles que defendem a urgência da renegociação da dívida pública para libertar o país da nova amarra corporativista que o sufoca, nunca também o voto sensato e consciente dos portugueses se tornou tão urgente e decisivo como contributo democrático para atingir um tal desiderato.
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 13 de março de 2014