Quando o pensamento único impera quase como dogma, neste caso como consequência direta do domínio oligopolista e financeiro sobre o poder político, este último, torneando a democracia, não resiste à tentação de investir contra a livre opinião e a liberdade de expressão dos cidadãos.
Nessa linha veio o senhor Presidente da República, no bom estilo das conversas em família de Marcelo Caetano, desaconselhar os cidadãos a falar dos problemas nacionais na campanha para as eleições europeias, pretendendo retirar do debate pré-eleitoral a situação calamitosa que os portugueses enfrentam e, sob o hipócrita apelo a consensos senis, tentar amaciar as divergências profundas existentes entre as diversas forças políticas quanto ao rumo que está a ser imposto ao país. Segundo a insidiosa sugestão presidencial, servindo aliás de oportuna capa protetora ao governo do PSD e do CDS para abafar transitoriamente os novos cortes já em gestação (ardilosamente pré-anunciados pelo bruxo de serviço à comunicação social Marques Mendes), só as questões europeias seriam válidas para o próximo debate eleitoral...Era só o que faltava! Apetece perguntar ao preocupado senhor que se diz Presidente de todos os portugueses porque é que, aquando da aprovação de tratados europeus que viriam a condicionar de forma profunda a vida de todos, como o Tratado de Lisboa por exemplo, o poder político em Portugal, incluindo o governo PS de então, fugiu a sete pés do debate público e da opinião referendada dos portugueses acerca do seu conteúdo...
Mas também sobre a renegociação da dívida ou a possibilidade da saída de Portugal do euro, é muito perigoso falar do assunto porque isso poria em causa o bom nome de Portugal perante os credores ou os mercados...Outro alerta condicionador da opinião que tem sido martelado com insistência pelo atual poder político e pelos seus comentadores de serviço. Era só o que faltava! Será sempre da firme disposição em falar sobre tais assuntos que se poderão descortinar os caminhos alternativos para o país, e que será possível, como se diria na tropa, pôr em sentido os nossos parceiros políticos e económicos de forma obrigá-los a negociar connosco sem a sobranceria e a desconsideração com que, graças ao comportamento submisso do atual governo da república, nos olham e nos impõem os seus ditames.
Finalmente, também nesta investida contra a liberdade de expressão e usando agora o pretexto duma outra liberdade, a de imprensa, aí está a tentativa, através de um projeto legislativo do PSD e CDS, de alteração à lei eleitoral, visando desregular as regras essenciais à proteção do princípio da igualdade no tratamento das diversas candidaturas por parte da comunicação social no período eleitoral. Era só o que faltava! Está-se mesmo a ver qual a igualdade de tratamento que, à rédea solta durante a campanha, os órgãos de comunicação social, na generalidade ligados aos grupos económicos que têm suportado este governo e o PS, iriam dar às candidaturas que não pactuam com o pensamento único do neo-liberalismo europeu e que, por vontade expressa dos seus agentes no país, é o responsável primeiro da política de austeridade; pela existência de ¼ da população portuguesa em situação de pobreza e, desses, um milhão de afectados por graves carências incluindo alimentares.
40 anos depois de Abril, os portugueses querem-se novamente pobres e calados? Era o que mais faltava!
Se as eleições europeias servirem para castigar politicamente os seus algozes ou para defender a reestruturação da dívida e questionar a presença de Portugal na zona euro, será isso um problema, ou o princípio da solução?
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 26 de março de 2014