Nos finais do século XIX, há 128 anos, em plena ascensão da chamada revolução industrial nos Estados Unidos, o dia 1 de Maio deu início a uma sucessão de manifestações sociais que varreu aquele país e terminou no dia 4 com uma violenta carga policial sobre os manifestantes em Chicago provocando mais de uma centena de mortos e dezenas de prisões.
E o que clamavam os manifestantes? Muito simplesmente o fim do trabalho de sol-a-sol e o início das 8 horas de trabalho diário. Da luta contra a exploração e do massacre subsequente, nasceu a consagração do dia 1º de Maio como Dia Internacional do Trabalhador.
À razão de uns, porque o trabalho é um direito e um dever mas não é escravidão nem sequer é tudo na vida, opunha-se implacável, com o aparelho de Estado do seu lado, a razão de outros que, por serem donos das indústrias, se achavam também donos dos seus iguais que nelas e para eles trabalhavam.
Estas razões contraditórias e os confrontos sociais e políticos inerentes, sob diferentes formas e gradientes, com avanços e recuos foram-se repercutindo até hoje, estando por trás de muitas guerras e revoluções (a revolução socialista do seculo XX em particular). Ontem era de sol-a-sol, hoje, se não voltou a sê-lo (e em diversos cantos do Mundo isso acontece), é a câmara de vídeo que vigia o trabalho. A uma regulação segue-se uma desregulação. À conquista de um direito segue-se a perda de outro, porque para haver ricos tem de haver máquinas empobrecidas que criem riqueza, e o Estado sempre acaba por tomar partido por um dos lados da contenda.
E que máquinas! O seu nome é "força de trabalho" e têm a vantagem de ser uma mercadoria que só se paga depois de consumida. E mais. Se uma dessas máquinas avaria, substitui-se imediatamente por outra em geral mais barata, com menores custos de manutenção...tão mais facilmente quanto mais desempregados disponíveis, mais flexibilidade e desregulação laboral. A desregulação que significa mais liberdade para os poderosos e exploradores, maior empobrecimento, desemprego e injustiça para os explorados.
Após o 25 de Abril de 74 foi dado em Portugal um significativo empurrão na legislação libertadora dos trabalhadores, anteriormente oprimidos e quase sem direitos salariais, sociais, laborais ou políticos. Mas eis que uma Europa (a do capitalismo selvagem) formou uma união de Estados, baseada precisamente na grande indústria (carvão e aço) e no capital financeiro, para, com base na evolução tecnológica, pôr em marcha a maior contra-ofensiva desreguladora dos direitos conquistados pelos trabalhadores desde os anos 50 do século passado, à custa do desmantelamento das estruturas produtivas, deslocalização e encerramento de grandes empresas, pulverização empresarial, sub-empreitadas, proliferação de mão-de-obra alternativa mais barata e com menos encargos legais (contratos individuais e a prazo, emigrantes, recibos verdes, clandestinos e semi-clandestinos, à tarefa, etc.)
E embora de momento mais debilitados por esta nova ofensiva transnacional do capital, suportada abertamente pelos governos de cada um dos países e também por certa oposição alternante e conciliadora (sejam liberais, sociais-democratas ou socialistas), naturalmente que o lado dos explorados tende a reagir, por se tratarem afinal de seres humanos com sentimentos e espectativas de vida e não de máquinas. Daí os sindicatos e a luta dos trabalhadores que o 1º de Maio continua a simbolizar e inspirar. Em busca da libertação e da justiça social que prosseguirá, no caso português, até à reposição dos direitos e rendimentos esbulhados, e até à atenuação das desigualdades e injustiças que claramente se têm vindo a acentuar, mau grado a recente e enganadora retórica eleitoralista que domina o discurso governativo dos capatazes do capital financeiro em Portugal.
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 3 de Maio de 2014