Libertação não cola com submissão

mario_abrantes"Há duas maneiras de submeter e escravizar uma nação: uma é pela espada e outra é pela dívida. A dívida é uma arma contra os povos. Os juros são as munições." (John Adams, 1735-1826, presidente dos EUA).
Enquanto na Palestina, no Saara Ocidental, na Nigéria, Turquia, ou mesmo no leste da Ucrânia, se tentam submeter povos ou etnias pela espada, a segunda fórmula da submissão acima descrita por John Adams tem estado a ser experimentada na Irlanda e nos países periféricos do sul da Europa, com Portugal e Grécia na linha da frente. Isto por mais que os dominadores e os seus agentes de língua oficial portuguesa anunciem, com manifestos propósitos eleitoralistas, como "libertadora" a "saída limpa" de Portugal...
Estão verdadeiramente a querer enganar o pagode, o mesmo pagode que num feliz cartoon de Henrique Monteiro (de segunda-feira passada) está a ser usado como esfregona pelo governo PSD/CDS para a "limpeza" anunciada.
É que saída não há nenhuma, e a limpeza que se conseguiu, e se pretende continuar a conseguir, poderá continuar a ser insuflada, ovacionada e apoiada por muitas entidades, governos, ministros, instituições, investidores, credores e comentadores nacionais e internacionais, mas existe uma pequena exceção, a do povo português...
Nem limpa, nem prémio, nem sequer saída para aqueles que, tendo sido os destinatários, não parecem ser de forma nenhuma os beneficiários de uma política de sacrifícios e austeridade impostos de forma implacável nos anos de vigência do atual governo troikista (cerca de 30.000 milhões € de cortes em despesas essenciais e em aumento de impostos). A arma da submissão, findo o período oficial de resgate, irá continuar bem afiada pendente sobre o pescoço da vítima a obrigá-la a mais sacrifícios e privações. Na verdade entre março de 2011 e dezembro de 2013, a dívida pública passou de 188.681 milhões € para 252.944 milhões €, isto é, aumentou 34%, chegando aos nunca previstos 129% do PIB. Mesmo em 2014, em apenas dois meses cresceu 5.477 milhões €. Portanto, a "saída limpa" não é outra coisa senão um Estado mais endividado, mais dependente e amordaçado aos interesses dos credores, principalmente dos grandes grupos financeiros.
Entre março de 2011 e dezembro de 2013, foram destruídos em Portugal pelo governo PSD/CDS, 305.000 empregos, e o desemprego oficial aumentou em 138.000. Portanto, a "saída limpa" não é outra coisa senão um país com mais pobres, com menos trabalhadores, mais emigração, escasso investimento público, um aparelho produtivo arrasado ao nível das pequenas e médias empresas e com as maiores e de interesse estratégico vendidas ou prontas para venda a grupos externos que, por intermédio delas, se encarregarão de extrair do país as riquezas nele criadas.
O chamado documento de estratégia orçamental (DEO), cativo de compromissos obscuros assumidos com uma nova troika para vigiar Portugal semestralmente nos próximos 25 anos, deixa adivinhar, pelo aumento de impostos, pela continuação dos cortes aos rendimentos do trabalho e dos pensionistas, pela redução dos serviços públicos e respetivos funcionários, que no país a lei da troika está para continuar pela mão dos inventores da "saída limpa", e que, aos mesmos que foram vilipendiados durante a ocupação oficial troikista, se continuará no futuro a reservar o papel de esfregonas...
A menos que estes se lembrem do poder que têm e, rejeitando a submissão, brandam contra esse destino inglório a arma do voto, para que o país possa ser governado de forma diferente, por gente diferente, com outras propostas mais consentâneas com os seus reais interesses...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 9 de maio de 2014