Retratos

mario_abrantesTodos sabemos que depois de reconquistada a liberdade de informação anteriormente prisioneira da censura imposta pelo regime fascista, ela tem vindo progressivamente a esbarrar com a criação de novos limites e condicionamentos (mais sofisticados e menos nítidos que a censura) cada vez mais determinados pelo poder do dinheiro, isto é, pelos grupos económicos detentores maioritários dos órgãos de comunicação social privados e pelo controlo político/ideológico dos órgãos de comunicação social públicos por parte de governos ideologicamente cativos dos interesses desses mesmos grupos.
Mas, em desabono do obscurantismo puro e duro, existem felizmente regras democráticas de ordem superior ainda válidas que atenuam as amarras lançadas sobre a liberdade de informação e que, cruzando em simultâneo no tempo informações parcelares extraídas de órgãos de comunicação social diferentes, permitem de quando em vez obter retratos verdadeiros do estado do país e da região.
Nos Açores de momento, além das referências múltiplas aos voos baixos da transportadora aérea açoriana, pouco mais há a acrescentar à uniformidade expectante dos diferentes quadrantes informativos (e de opinião) quanto às consequências políticas da substancial remodelação governamental que caiu de repente sobre a cabeça dos banhistas, sem grandes explicações anexas, em fim de semana de Verão...
No país fica-se a saber pelo Correio da Manhã de terça-feira que Ricardo Salgado vai ficar com uma pensão do BES que lhe dará mais de 2.500 euros por dia (mais de 900.000 euros por ano), enquanto o Jornal de Notícias do mesmo dia informa que 1,9 mil milhões de euros foi quanto as políticas de austeridade roubaram aos reformados em quatro anos.
E porque estamos em tempo de férias, foi-nos informado também, desta vez pela SIC-Notícias de segunda-feira, que as colónias de férias para crianças e idosos carenciados vão deixar de ser comparticipadas pelo Estado, por mão do governo de Passos e Portas, enquanto o "site" público da CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) publicou mais ou menos em simultâneo as contas dos primeiros 9 meses de 2013 da Sociedade Estoril-Sol, proprietária dos Casinos do Estoril, Lisboa-Expo e Póvoa do Varzim, onde se fica a saber que o mesmo governo concedeu a esta Sociedade durante esse período de tempo 2.333.516,00 euros de benefícios fiscais para apoio à compra de novas máquinas de jogo e à realização de espectáculos.
E, pela boca do secretário-geral da OCDE ladeado pelo primeiro-ministro, bem fresquinha chegou a cereja em cima do bolo para todos os órgãos de comunicação nacionais a informar que, no seu relatório sobre Portugal, aquela organização considera muito importante, entre outras alarvices económicas, não meter nos próximos tempos nem mais um cêntimo nas algibeiras de quem ganha 485 euros de salário mínimo nacional...
Nesta quinta-feira de Verão, assinalando o mal-estar crescente entre os cidadãos portugueses, notícias relatarão também que mais uma vez muitos deles (geralmente em número superior ao referenciado) saíram à rua para protestar contra a infame realidade que ao longo destas linhas, socorrendo-nos de um pequeno "zapping" informativo, nos foi dado fotografar...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 11 de julho de 2014