É fartar vilanagem

mario_abrantes"Comparados com os alemães, os portugueses trabalham mais 324 horas todos os anos, mas levam para casa menos 7484 euros. De acordo com os números da OCDE, a jornada diária dos alemães é cerca de uma hora mais leve todos os dias comparada com a dos portugueses, mas como os salários e as regalias são superiores, os trabalhadores alemães saem largamente a ganhar." (da imprensa nacional em 15 de Setembro de 2014).

É esta uma das facetas trágicas (além de outras, como o empobrecimento generalizado para enriquecer uns quantos ou como o endividamento crescente, de certos países em favor dos credores, de outros) bem demonstrativa de uma "obra" que, como denunciou o desencantado Eduardo Paz Ferreira, tem vindo a conformar o edifício da atual União Europeia, aprofundando desigualdades, semeando injustiças e provocando a destruição paulatina e sistemática das funções sociais do Estado nos países aprisionados por uma dívida pública induzida e crescente.

Uma "obra" assente na cobertura jurídico-política da exploração do homem pelo homem e da exploração de uns Estados por outros Estados, como decorre do Tratado de Lisboa ou do Tratado Orçamental, entre outros.

Uma "obra" encetada e continuada por diversos governos dos partidos do chamado "arco da governação", melhor dito "dos PEC e da troika" ou do "arco da dívida e do favorecimento do capital" – PSD, PS e CDS, que excisou e continua a excisar da estrutura produtiva portuguesa uma parte fundamental do seu suporte económico, num rol imenso de privatizações e de alienações em favor do grande capital transnacional de que se destacam além das concessões como a do complexo de Sines ou agora a das empresas de transporte público, as instituições financeiras e seguradoras, a GALP, a ANA, a BRISA, SIMPOR, Portucel, Cervejeiras, REN-EDP, os Correios ou a PT, e ainda, em preparação acelerada, a TAP, o Grupo Águas de Portugal ou os Portos de Portugal.

Os agentes e promotores de uma "obra" destas, pela dimensão já atingida e pelo grau de destruição alcançado, em particular nos últimos anos, merecem sem dúvida ser condecorados e, já que pouco mais haverá quem lhes reconheça os méritos, nada melhor que condecorarem-se entre si. E convém aproveitar enquanto é tempo e o poder ainda não lhes escapou por entre os dedos...

Assim, pode constatar-se que o atual Presidente da República não deixa os seus créditos por mãos alheias. Este ano já galardoou António Vitorino, Álvaro Amaro, e o super-salariado Zeinal Bava pela sua esforçada acção na PT, em 10 de Junho passado. Agora coube a vez ao anafado ex-Presidente da Comissão Europeia – Durão Barroso, em fim de mandato. Um galardão partidarizado, entregue sem o aval popular, bem como da maioria das forças políticas, a um sujeito visto como cinzento, manipulável e submisso pelos seus pares de Bruxelas, mas, segundo o condecorador, com uma folha de serviços brilhante para Portugal (que começou aliás com o seu abandono do cargo de 1º Ministro).

Efetivamente só foi possível chegar-se a um tal grau de distorção do nome de Portugal e da Ordem do Infante porque, na República, em vez de governo temos um autêntico conselho de administração das multinacionais apátridas, e na Presidência os portugueses foram ludibriados e, involuntariamente, parece que lá puseram o capataz daquelas.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 5 de novembro de 2014